O Mito do Centésimo Macaco

Existe uma idéia muito difundida por aí de que se um certo número de pessoas adquire um conhecimento ou hábito, então toda a humanidade vai adquirir também. Sei que parece absurdo, mas do jeito que a lenda conta fica bem razoável.

A Lenda

A lenda afirma que se um número suficiente de pessoas pensar qualquer coisa, então um “campo mental” formado pelos pensamentos de todas essas pessoas será tão grande que contagiará todas as outras pessoas. Algo como se fosse uma osmose mental. Por esse raciocínio, se muitas pessoas souberem física, então toda a humanidade será composta de físicos. Uma boa solução para esse terrível analfabetismo científico.

Começou nos anos 50 com uma experiência com macacos feita em uma ilha do norte do Japão. Lyall Watson em seu livro Lifetide conta que um macaco ensinou outro a lavar batatas, e este outro ensinou outro que ensinou outro e cada vez mais macacos estavam lavando suas batatas antes de comer. Quando o número de macacos atingiu 100, os macacos das outras ilhas e todos os macacos do mundo (sic), automaticamente, aprenderam a lavar batatas.

Depois de Watson, Ken Keyes escreveu um livro chamado O Centésimo Macaco em que conta essa história e a usa como justificativa para um novo estilo de vida. Ele afirma que se nós começarmos a pensar positivamente, nos preocuparmos com o futuro da humanidade, formos bons, vamos criando, aos poucos, um número cada vez maior de pessoas com bons pensamentos e boas intenções. Baseado na tese do centésimo macaco, ele afirma que, eventualmente, seremos em número suficiente para que toda a humanidade seja boa e nunca mais ninguém seja malvado. Ahh…

A Verdade

A experiência não é lenda e realmente aconteceu, como relata o Japan Monkey Center em sua publicação Primates, nos volumes 2,5 e 6. Mas tanto Watson quanto Keyes contam a história de uma maneira muito deturpada.

No Japão, biólogos têm estudado as colônias de macacos por muitos anos. Para fazer os macacos aparecerem, eles deixam batatas doces na praia para que os macacos comam. Os macacos saem do meio das árvores para pegar as batatas doces e podem ser observados. Um dia uma macaca de 18 meses de idade chamada Imo lavou sua batata doce na água do mar antes de comer. Um pouco salgadinha e sem areia da praia, a batata deve ter parecido melhor. Imo mostrou sua descoberta à sua família e seus amigos e eles ensinaram às suas famílias e assim sucessivamente.

Até 1958, a descrição de Keyes segue a pesquisa de perto, apesar de nem todos os macacos jovens do grupo terem aprendido a lavar as batatas. Em março de 1958, 15 dos 19 macacos jovens (entre 2 e 7 anos) e 2 dos 11 adultos lavavam as batatas. Até esta época, o novo comportamento se propagou individualmente, de macaco para macaco dentro das famílias e amizades. A maioria dos macacos jovens começou a lavar as batatas quando tinham um ano e meio. Machos mais velhos do que 4 anos, que tiveram pouco contato com os macacos jovens, não adquiriram o hábito.

Evidências contra o mito

Em 1959 lavar as batatas não era mais um hábito novo para o grupo. Os macacos que haviam adquirido o comportamento quando jovens haviam crescido e tendo seus próprios bebês. Essa nova geração aprendeu a lavar batatas pelos padrões normais de aprendizagem em que as crianças imitam seus pais. Em janeiro de 1962, quase todos os macacos da ilha Koshima, exceto os adultos nascidos antes de 1950, foram observados lavando suas batatas doces. Se um macaco particularmente não tivesse aprendido a lavar batatas até ser adulto, ele nunca aprenderia, não importando o quanto o hábito estivesse difundido pelo grupo.

No relatório original, não há nenhuma menção de que o grupo tenha ultrapassado um número crítico que tenha feito a idéia se espalhar por todas as ilhas. Também não é mencionado que macacos de outras colônias ou outras ilhas tenham adquirido o hábito. Essa parte Watson e Keyes inventaram. A única coisa é que, ocasionalmente, alguns macacos individualmente em outras colônias experimentavam, como Imo havia feito, e gostavam disso, mas o hábito nunca se espalhou automaticamente por todos os macacos de todas as colônias e ilhas.

Nunca foi relatada uma revolução súbita nos hábitos dos macacos. A colônia possuía 20 macacos em 1952 e cresceu para 59 em 1962, então, numericamente, nunca houve um centésimo macaco. O artigo de Masoa Kawai em 1965 é meticuloso nos detalhes. Ele indica que, em 1958, o ano que Watson afirmou que os padrões de comportamento atingiram a massa crítica, somente dois macacos na ilha Koshima haviam adquirido o hábito de lavar a comida. Dois primatólogos japoneses relataram que, fora da ilha Koshima, esse comportamento havia sido observado antes em pelo menos cinco diferentes colônias. Nesses casos o hábito foi adquirido por apenas alguns macacos e nunca se espalhou pelos membros das colônias. Nada liga esses acontecimentos à idéia de Imo.

A justificativa de Watson para suas falácias é de que o “Centésimo macaco foi uma metáfora que criei, baseado em evidências ralas e minha fé pessoal.” Mesmo com a confissão de seu criador de que a história foi inventada, muitos preferem acreditar no eufemismo de que podemos mudar o mundo sentados em nossa casa pensando coisas boas, ao invés de “botar a mão na massa” e agirmos pela melhoria da realidade.

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Um comentário em “O Mito do Centésimo Macaco

  1. pode ser pode nao ser so sei que muita gente imita, infelizmente nem tudo bom
    há o estado de coletividade falado por Willian Douglas em seu livro :Maratona da vida
    Leiam indiquem a alguen é muito bom
    O autor sem precisar se expõe de uma formal informal e muito comunicativa
    São imensos momentos de prazer e aprendizado.
    beijos a todos Carmem L.

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