A Porta dos Desesperados (ou o problema de Monty Hall)

por Kentaro Mori

Você acorda uma manhã e se vê de volta aos anos 80 no corpo de uma criança de 8 anos, participando do programa infantil de Sérgio Mallandro. Talvez você preferisse ter acordado como uma barata gigante, mas nós nunca podemos prever como as transmigrações de alma no plano astral vão ocorrer.

Felizmente sua mente permanece a mesma – mais uma dessas coisas inexplicáveis da transmigração de alma. Quando se dá conta, está participando de uma das brincadeiras do programa, ‘A Porta dos Desesperados’. Ela é muito simples: existem três portas iguais. Atrás de uma delas está um prêmio, e atrás das outras duas portas estão pessoas vestidas com fantasias de monstro que irão lhe encher o saco por ter escolhido a porta errada.

Você escolhe uma porta, e irá ganhar o que estiver atrás dela. Então Sérgio Mallandro, dizendo que quer lhe ajudar e sabendo de antemão em qual das portas está o prêmio, abre uma das outras duas portas revelando um monstro, ou melhor, um homem mal-vestido de monstro. E ele faz a derradeira pergunta: “Quer trocar?”. Afinal, é ou não vantajoso trocar de porta?

Este pequeno problema é muito mais difícil do que parece, e tornou-se famoso nos EUA como o problema de Monty Hall, devido ao apresentador que possuía um quadro bem similar (ou o contrário seria mais apropriado) em seu programa popular ‘Let’s Make a Deal’ [‘Vamos fazer um trato’] nos anos 70, algo como os diversos programas de auditório de Sílvio Santos. Muitos neurônios são queimados porque a resposta do problema é contra-intuitiva, o que quer dizer que a primeira resposta que você der a ele deve estar errada. Não tenha medo, tente descobrir se é ou não vantajoso trocar de porta antes de continuar lendo.

Tentou? Pois bem, vamos primeiro à resposta correta e contra-intuitiva: É sim vantajoso trocar, na verdade é duas vezes mais provável ganhar o prêmio se você trocar de porta do que se não o fizer. Acredite… se quiser! Ou leia a explicação, que é apenas uma das muitas que circulam para o problema de Monty Hall:

Existem três portas, vamos chamá-las de A, B e C. Quando você escolheu uma delas, digamos a A, a chance de que ela seja a premiada é de 1/3. Como conseqüência, as chances de que você tenha errado, ou em outras palavras, de que o prêmio esteja nas outras duas portas B ou C são de 2/3. Você pode comprovar isso somando a probabilidade de cada uma das outras portas ou simplesmente sabendo que a probabilidade de que haja um prêmio é sempre 1. O importante é ter em mente que a chance de que o prêmio esteja nas outras portas que você não escolheu é de 2/3.

Entendendo isso, basta ver que o apresentador abrirá sem erro uma dessas outras duas portas que contém um monstro, digamos que seja a B. Ao fazer isso, ele está lhe dando uma informação valiosa: se o prêmio estava nas outras portas que você não escolheu (B ou C), então agora ele só pode estar na porta que você não escolheu e não foi aberta, ou seja, a porta C. Ou seja, se você errou ao escolher uma porta – e as chances disto são de 2/3 – então ao abrir uma das outras portas não-premiadas o apresentador está literalmente lhe dizendo onde está o prêmio. Toda vez que você tiver escolhido inicialmente uma porta errada, ao trocar de porta você irá com certeza ganhar. Como as chances de que você tenha errado em sua escolha inicial são de 2/3, se você trocar suas chances de ganhar serão de 2/3 – e por conseguinte a chance de que você ganhe se não trocar de porta é de apenas 1/3. É assim mais vantajoso trocar de porta, acredite… se compreender!

A resposta intuitiva ao problema é a de que quando o apresentador revelou uma porta não-premiada, nós teríamos à nossa frente um novo dilema com apenas duas portas e um prêmio, portanto as chances de que o prêmio esteja em qualquer uma das duas portas seriam de 50%. O apresentador teria nos ajudado, já que nossas chances subiram de 1/3 para 1/2, mas realmente não faria diferença trocar ou não de porta uma vez que ambas teriam as mesmas chances de possuírem o prêmio. No entanto esta resposta está errada, pois a porta que o apresentador abre depende da porta que nós escolhemos inicialmente. O apresentador sabe desde o começo onde está o prêmio (ele nunca abrirá uma porta premiada). Ao abrir uma porta, ele não está criando um jogo todo novo, mas está dando informações valiosas sobre o jogo original. É por isso que a resposta é tão contra-intuitiva: parece-nos que o apresentador abriu uma porta aleatoriamente, mas isso está muito longe da verdade. Como vimos, se tivermos escolhido inicialmente uma porta não-premiada, ele não tem nenhuma liberdade de escolha e só pode abrir uma porta.

O problema de Monty Hall, também chamado por alguns de paradoxo de Monty Hall, é exposto em muitos cursos de estatística, e um exercício com ele seria dado em Harvard e Princeton. Ele demonstra muito bem como nosso cérebro não foi feito para lidar intuitivamente com tais tipos específicos de problemas. Felizmente, assim como nós podemos fatorar um número no papel com facilidade embora seja um tanto difícil fazer o mesmo mentalmente, pode-se resolver o problema de Monty Hall no papel de forma simples e sem erro usando o Teorema de Bayes de probabilidades condicionadas.

Ah sim, quanto ao nosso insólito caso de transmigração de alma no plano astral. Sinceramente, se depois de quebrar a cabeça com o problema de Monty Hall você ainda prefere ouvir falar de transmigração de alma então talvez seja hora de uma metamorfose.

***

2 comentários sobre “A Porta dos Desesperados (ou o problema de Monty Hall)

  1. Ola,

    Esse problema e’ muito interessante. Eu me interessei em fazer mestrado e posteriormente o doutorado por conta dele.

    Eu pessoalmente acredito que a intuicao continua sendo valida. Se pensarmos na incerteza e na sua atualizacao. Inicialmente estamos igualmente incertos onde esta’ o premio, qdo o apresentador abre uma porta vazia a gente recebe uma informacao. E nos aprendemos sobre essa informacao e atualizamos a nossa incerteza de onde esta’ o premio.

    Como vc falou muito bem, se souber a estrutura do jogo, ou seja, se soubermos de antemao que o apresentador nunca abrira’ uma porta premiada. A nossa estrateia sera’ de fato de trocar de porta, pois ganhamos uma informacao valiosa (levando a probabilidade 1/3 do premio estar na nossa porta). Mas se por acaso, nao conhecemos a estrutura do jogo, e o apresentador pode abrir qq uma das portas (inclusive aquela do premio), entao a nossa incerteza vai se manter (da’ para fazer as contas) e estaremos igualmente incertos de onde estara’ o premio (levando a probabilidade 1/2 do premio estar na nossa porta).

    Parabens pelo blog.

  2. Concordo com o comentário do Leo Bastos.

    Se nós escolhemos inicialmente uma porta não-premiada, o apresentador só tem uma porta que pode ser aberta.

    Se escolhemos inicialmente uma porta premiada, o apresentador tem duas portas não-premiadas para escolher.

    Acontece que nunca saberemos qual desses casos ocorreu. Sabemos apenas que uma porta não-premiada foi aberta e, com isso, o pressuposto de um novo jogo com 50% de chances se mantém.

    Tenho a impressão de que é um daqueles problemas que só se resolvem quando se dá ao candiato informação que ele não tinha anteriormente.

    Parabéns pela postagem, obrigado. :)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *