O cérebro do doutor Ramachandran

Mauricio-José Schwarz, publicado em Los Expedientes Occam
Tradução gentilmente autorizada

Em um mundo em que tudo parece explorado, um brilhante investigador da Índia nos ensina muito sobre uma área ainda desconhecida: nosso próprio cérebro.

Um homem relata uma intensa dor em um braço amputado porque tem a mão ferreamente fechada, cravando as unhas em suas palmas, mas não pode controlar a mão para abri-la. A dor se transforma em um obstáculo a uma vida normal. Este caso, mais um de um "membro fantasma", freqüente entre pessoas que sofreram uma amputação, sugeriu uma solução quando menos estranha ao doutor Vilayanur S. Ramachandran. Ele propôs que o cérebro recebia informação sensorial por meio da visão e da propriocepção indicando que o membro não podia se mover, e podia assim enganá-lo, para o qual criou uma caixa em que o paciente podia colocar os braços, com espelhos de modo tal que no lugar do braço amputado, via o reflexo do braço são do paciente. Sua idéia era que ao "dizer" ao cérebro visualmente que o membro se moveu ele conseguiria eliminar algumas das sensações negativas do membro fantasma. Esta hipótese foi demonstrada na prática e desde 1998 a "caixa de espelhos" do doutor Ramachandran se converteu em uma ferramenta essencial para combater as sensações desagradáveis dos membros fantasmas.

No início de sua carreira, Ramachandran se ocupou da percepção visual por meio da psicofísica, estudando os mecanismos neurológicos que permitem que se combine a informação dos dois olhos humanos para formar uma imagem com profundidade, o movimento aparente, a forma com que nossa percepção deduz formas e estruturas a partir do sombreado ou o movimento e as interações entre a cor e o movimento. Estes estudos implicaram a criação das chamadas "ilusões ramachandran", empregadas precisamente para estes estudos. Mas a fins dos anos 1980 Ramachandran voltou sua atenção a temas neurológicos como os membros fantasma. Mas seu trabalho mais recente e mundialmente reconhecido se desenvolveu no terreno da sinestesia, uma condição em que dois ou mais sentidos corporais estão acoplados ou interconectados (para dizê-lo de outro modo, embora não haja provas de uma "conexão" real). A forma mais comum de sinestesia é aquela em que as pessoas "vêem" cores relacionadas com letras, números, palavras ou outros conceitos, como os dias da semana ou os meses.

A primeira contribuição do Ramachandran ao estudo da sinestesia foi, sem dúvida alguma, a demonstração de que era uma condição fisiológica real e não uma ilusão ou alucinação puramente psicológica. O que fez Ramachandran foi desenvolver uma prova similar à empregada para detectar a cegueira a cor ou daltonismo, na qual uma pessoa comum não encontraria certos patrões que se fariam rapidamente evidentes para alguém que tivesse realmente sinestesia. Em uma destas provas, apresenta-se um quadro no que há uma série de números "5" de traços quadrados dispostos ao acaso em um espaço em branco. Entre eles, algo que para um "não-sinesteta" é muito difícil de ver, há uma série de números "2" igualmente quadrados, imagens em espelho dos "5", mas que formam um triângulo. Um verdadeiro sinesteta que vê cores nos números identifica de uma só olhada um triângulo de símbolos de certa cor em um espaço formado por símbolos de outra cor. Com esta e outras provas, Ramachandran demonstrou de uma vez por todas que havia um substrato física e neurologicamente real nos relatos de sinestesia, abrindo a porta ao estudo sério desta condição e o muito que pode nos ensinar com relação ao cérebro "comum" (para não chamá-lo "normal"). A partir desta demonstração, Ramachandran continuou, levando nos anos mais recentes o estudo da sinestesia a estudos de neuroimagens funcionais para aprender sobre as diferenças na ativação cerebral que têm os sinestetas e os não-sinestetas ao ver-se expostos aos mesmos estímulos.

A partir de seus estudos, o doutor Ramachandran sugeriu que muitas de nossas metáforas verbais são, de certo modo, "sinestésicas". Assim, uma "cor gritante" em realidade não grita, mas evoca em nós a mesma sensação que um agudo alarido, enquanto que um "frio cortante" em realidade não corta, ou a inveja pode ser um "sentimento azedo". Ramachandran considera que todos temos algum nível de sinestesia e que provavelmente a sinestesia é um componente fundamental de muitas formas artísticas, e que muitos artistas são, saibam-no ou não, sinestetas. Mais ainda, assinala "Nossos estudos das bases neurobiológicas da sinestesia sugerem que a capacidade de realizar metáforas, de ver vínculos profundos entre coisas superficialmente distintas e sem relação entre si, proporcionam uma semente chave para o surgimento do idioma".

Uma área peculiar de estudo de Ramachandran é a síndrome de Capgras ou "ilusão dos dublês", condição em que o paciente acredita que seis familiares ou pessoas queridas foram substituídos por dublês. Segundo Ramachandran, em ao menos um caso se produziu por uma desconexão entre o córtex temporal (onde se leva a cabo o reconhecimento dos rostos) e o sistema límbico, implicado nas emoções. Como o paciente não experimenta emoções ao ver seus seres queridos, acredita que isto indica que a pessoa diante dele é um sósia ou dublê.

No outono de 2007 se publicará Mirrors in the mind ou "Espelhos na mente, a ciência do que nos faz humanos e criativos", novo livro de Ramachandran sobre os mundos do cérebro.

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O viajante do cérebro humano
Vilayanur S. Ramachandran nasceu em 1951 em Tamil Nadu, na Índia, e se graduou como médico no colégio médico Stanley do Madrás, de onde saiu para obter seu doutorado no Colégio Trinity da Universidade de Cambridge nas áreas de psicofísica e neurofisiologia, além de realizar estudos de pós-doutorado na Cal Tech. Atualmente é diretor do Centro para o Cérebro e Cognição da Universidade da Califórnia em San Diego, diretor do Laboratório do Cérebro e Processo Perceptual e professor do departamento de psicologia e do programa de neurociências nessa universidade.
Ramachandran recebeu uma larga série de honras e reconhecimentos por seus mais de 120 artigos científicos publicados, 20 deles na prestigiosa revista Nature, além de ser autor de livros de divulgação, como Fantasmas no Cérebro. Os mistérios da mente ao descoberto (Editorial Debate, Madrid, 1999), escrito conjuntamente com Sandra Blakeslee, é o editor chefe da Enciclopédia do Cérebro Humano e da Enciclopédia do Comportamento Humano e aparece com freqüência em documentários relacionados com o cérebro, a mente e a percepção.

4 comentários sobre “O cérebro do doutor Ramachandran

  1. 1) O simples fato de relacionarmos, espontaneamente e rapidamente, a visão de uma realidade, a versão de uma história e a leitura de um texto, com a letra de alguma música que se encaixa diretinho com essa realidade,versão ou texto), pode ser caracterizado como uma forma de fenômeno da Sinestesia? Exemplo: Estava eu um dia lendo um texto sobre a relação histórica entre filosofia e ciência e derrepente lembrei de uma música em que sua letra tinha tudo haver com a questão Filsofia x Ciência, e o nome dela é: Você Foi, Autor: Roberto Carlos. Professor é como se a filosofia cantasse pra ciência, esta música, e só ela, por incrível que pareça, resumai toda a situação dessa relação: Filosofia x Ciência, e tenho outros exemplos. Escrevi a letra em meu trabalho e tirei a nota 10. Meu professor disse que eu tive um “in-site”. Pergunto: passei por uma experiência sinetésica ou isso tem outro nome? Por favor Responda, pois preciso conversar sobre o que tem acontecido comigo, mais ou menos nesse campo. Obrigado!

  2. Sempre possuí essa condição de ver cores em números, letras, frases, músicas e ainda vejo associação em números com letras, é muito legal, eu cresci brincando com isso e continuo, meu esposo, meus irmãos, pedem para eu fazer as associações, mas não sabia que era um dom. Quando vi um documentário no discovery channel, que entendi que possuía algo mais. Entendi agora, lendo o texto acima, que pode ser uma queda para arte. Sempre tive mesmo. Desenho e amplio sem nunca ter feito curso, já trabalhei com editoração eletrônica, com criações perfeitas, sem me especializar, sei harmonizar cores, frases, ambientes e nunca fiz curso de nada disso… Adorei entender. Trabalharei melhor essa sinestesia.

  3. se o cerebro desse homen ainda existe eu vo querer ele pra mim mas só e se ele foi esperto pq se não eu num vo querer não

                     eu quero o cerebro dele pq eu tenho uma prova dificil no mês que vem ai eu vo precisar de um cerebro inteligente  ai eu não preciso estudar

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