30 anos de Cosmos: uma viagem humana

Nós somos uma forma do Cosmos conhecer a si mesmo“.

Quando a Humanidade deu seu grande salto na Lua em 1969, em torno de meio bilhão de pessoas assistiram empolgadas em pequenas TVs em preto e branco a dois astronautas pisarem em outro mundo. O evento marcou toda uma geração e continua sendo um dos maiores feitos de nossa espécie, mas apenas três anos depois, quando os astronautas da Apollo 17 deram o último adeus ao nosso satélite natural, o interesse popular pela exploração espacial já não era tão grande. Faltava algo mais básico para continuar a alimentar o grande interesse público além da novidade de pisar na Lua.

Foi neste contexto que um cientista espacial que continuava a explorar outros mundos com sondas robóticas renovaria a fascinação de centenas de milhões. Através da mesma telinha, agora a cores e com efeitos especiais e um roteiro quase poético, ele relembraria e para muitos apresentaria pela primeira vez o que realmente significava aquela pegada no solo lunar ““ e tanto mais além desta façanha.

Desde as verdadeiras dimensões do Universo em que vivemos até a magnífica aventura do conhecimento que levou um pequeno punhado de macacos pelados a se estender por todo um planeta e, com o poder fantástico do método científico, viajar ainda mais longe. À vastidão em que ainda não tocamos, com uma “nave da imaginação“ modelada à imagem de uma semente de dente-de-leão ao vento, ele nos levaria cruzando a galáxia por anos-luz.

Quando finalmente retornarmos à Lua depois de um longo afastamento, ou quando visitarmos Marte e os infinitos mundos que nos aguardam pelo espaço, talvez nosso interesse e excitação como um todo dure um tanto mais porque nos lembraremos de sua grande e bela visão.

Falamos, é claro, da série televisiva “Cosmos: Uma Viagem Pessoal“ do astrônomo Carl Edward Sagan, cujo primeiro episódio foi ao ar pela TV americana em 28 de setembro de 1980. Toda uma geração, incluindo este que escreve estas linhas, já nasceu e cresceu não sob a sombra, mas sob a luz e inspiração de uma obra ao mesmo tempo popular e imensamente inteligente, sóbria e profundamente atraente.

carlsagan

Três décadas depois, é surpreendente como muito da visão de Sagan do Cosmos seria largamente validada, transformando especulação otimista em fato científico. Um destes elementos mais empolgantes envolve o primeiro planeta fora do sistema solar, que só seria confirmado como descoberta científica quase uma década depois que Sagan despertasse milhões às tantalizantes possibilidades da multiplicidade de mundos.

Pois desde o primeiro exoplaneta em 1988, quase 500 exoplanetas já foram confirmados. Os nove, ou melhor, oito planetas de nosso sistema solar são hoje poucos em comparação com as centenas de outros corpos orbitando estrelas longínquas. E a viagem da imaginação aos fatos não parou aí.

Os dados iniciais de um novo satélite, o Kepler, como parte continuada da exploração do Cosmos, podem mais do que dobrar este número em poucos meses de observação, levando à sugestão de que planetas sejam não só quase onipresentes pela Galáxia, como que até 100 milhões de planetas como a Terra populem a Via Láctea. Por sua vez, apenas uma das centenas de bilhões de galáxias pelo Universo.

Na mesma semana de aniversário de Cosmos, o mais forte candidato a exoplaneta potencialmente habitável, chamado Gliese 581 g, foi anunciado com grande animação. A beleza disto é que sendo esta a ciência, a descoberta pode ou não ser confirmada, mas sendo esta a ciência e particularmente uma área que assistiu a enormes avanços nas últimas décadas, é uma questão de tempo até que dezenas, centenas, milhares e quem sabe mesmo milhões de planetas como a Terra sejam comprovados em nossa galáxia.

São números que mesmo o homem dos grandes números, com quem o apresentador Johnny Carson brincava sobre os “bilhões e bilhões“, tomaria como uma estimativa muito otimista. O amanhã em que vivemos hoje trata de confirmá-la como fato.

Em meio à viagem pelas estrelas, e entre os milhões de planetas como a Terra que podem existir, Sagan também se preocupou muito em abordar as questões muito humanas que enfrentávamos em nosso único e pálido ponto azul. No início da década de 1980, a Guerra Fria começava a se reaquecer enquanto EUA e União Soviética acumulavam dezenas de milhares de ogivas nucleares, um número grande que o cientista espacial se dedicou obstinadamente a diminuir. Poucos anos depois de Cosmos, Carl Sagan seria um dos descobridores do Inverno Nuclear, destacando ainda mais o perigo de extinção que enfrentávamos como espécie.

Igualmente superando suas mais otimistas expectativas, alguma lucidez tomou conta de líderes de ambos os lados, que passaram a diminuir seu arsenal, até que em 1989 a União Soviética implodiu sem o disparo de nenhuma bomba nuclear. Se superamos a maior urgência deste desafio, por outro lado, perigos sobre os quais Sagan também alertou e que há trinta anos pareciam menores hoje se tornam prioridade, como as mudanças climáticas e todo o impacto que o nosso próprio sucesso descomunal em habitar todos os continentes e contar com um número cada vez maior de confortos exerce sobre o pálido ponto que pode em breve tomar uma cor diferente e menos hospitaleira que o azul.

Vivemos em um fabuloso amanhã, com novos conhecimentos e novos desafios de uma geração somando-se à enorme jornada de milhares de ancestrais explorada em Cosmos. Lamentavelmente, vivemos também sem a companhia de Sagan, que nos deixou cedo apenas 16 anos depois de comover um mundo com a beleza e mesmo a espiritualidade que pode ser encontrada na busca pelo conhecimento através da ciência.

Se Sagan teve uma visão por vezes profética de descobertas futuras, também podemos profetizar com grande segurança que é mera questão de tempo até que um membro da geração sob a luz de Cosmos ganhe um prêmio Nobel. E ele ““ ou ela ““ será apenas o primeiro de muitos, enquanto Carl Sagan deve ter o mérito de ter inspirado diretamente mais do que qualquer outra pessoa um número gigantesco de jovens a seguir uma carreira científica e ajudar o Cosmos a conhecer a si mesmo.

horsehead

O legado de Sagan vive como uma porção particularmente brilhante de conhecimento, e como tal só deve se multiplicar enquanto novas mentes continuarem sendo inspiradas a buscar saber mais sobre “tudo que existe, tudo que existiu e tudo que existirᓝ.

É parte da frase com que Carl Sagan iniciou seu primeiro episódio às “margens do oceano cósmico” há três décadas.

E é como definiu o próprio Cosmos.

– – –

Em homenagem aos 30 anos de Cosmos, iniciamos um perfil no Twitter dedicado exclusivamente a divulgar a obra de Carl Sagan, confira @saganismos. Para acompanhar o perfil no Twitter e indicar melhor sua obra, também iniciamos através do projeto HAAAN um novo sítio on-line para agregar informações sobre as obras do astrônomo: saganismos.haaan.com.

28 comentários sobre “30 anos de Cosmos: uma viagem humana

  1. Para mim, é o melhor cientísta e divulgador de ciencia como um todo, de todos os tempos. Sem igual!
    Nao tem pra ninguem. Sagan esmiuça o universo, o cosmos, a terra, e os seres humanos de forma simples, honesta e sincera. Muito longe daquele endeuzamento humano de outros humanos.
    Fantástico!

  2. Nunca será demais enfatizar a importância do trabalho dos acadêmicos que dedicam pelo menos uma parte de seu tempo à divulgação do conhecimento junto ao grande público.
    Carl Sagan pode realmente ter sido o melhor, embora eu também aprecie muito o trabalho do saudoso Isaac Asimov.
    E Sagan também se preocupava com o avanço das pseudociências e superstições. Sua obra sobre essa questão, “O Mundo Assombrado Pelos Demônios”, foi reeditada em 2008 pela Companhia das Letras. Mesmo uma breve olhada na Internet irá revelar uma espantosa quantidade de sites e blogs dedicados ao ocultismo, esoterismo e às mais variadas superstições, provando que essa preocupação de Sagan continua atualíssima.

    Cyro

  3. Parabéns pela lembrança da data. Eu sou do tempo em que o seriado passava na Rede Globo, se não me engano. Sim, estou com 49 anos, e na época, me lembro que a série se diferenciava pelos efeitos especiais, enfim, pela produção. Era gostoso assistí-la. Se não me engano, passava um capítulo por semana, e a gente tinha que ficar esperando ansioso pelo próximo. Bons tempos, mas com a internet hoje, qualquer um pode assistir a série completa, a qualquer momento. Quanta diferença. E vou dizer: Tem algumas coisas em que ela se mostra desatualizada, mas ainda tem muitas outras que são até hoje um show de imagem e produção. Realmente, esta série marcou a vida de muitos da minha idade e também mais novos.

    1. Hoje temos Xuxa e Angélica…

      Ô Kentaro Mori, o que você diz dessa mudança?

      Antes Carl Sagan e Admirável Mundo Novo!
      Hoje Xuxa e Angélica.

      Será que existe conspiração?

    2. Kentaro Mori,

      Antes Carl Sagan e Admirável Mundo Novo na televisão…

      Hoje Xuxa e Angélica!

      E aí, você ainda acha que conspirações não “eczistem”? Que não há um movimento de retardamento da população?

      PS: Meus comentários estão sendo deletados, ou há algum problema no Blog?

    1. Ei, Alice.
      Pois não passe vontade não. Depois de ler um, você vai querer logo começar outro, é um vício tremendo. Mas desses vícios que fazem bem.

  4. Excelente texto!
    Carl Sagan sempre será o mais importante divulgador da ciência de todos os tempos.

    Que mais pessoas assim como eu, vocês, possam ingressar entusiasmadamente nesse mundo fantástico da ciência e do ceticismo.

    “Viver nos corações que deixamos para trás é nunca morrer”

    Carl vive.

  5. Ótimo texto, ressaltando a e o legado de Carl Sagan e sua sábia visão de Universo.
    Acredito que a herança intelectual dele tenha um valor inestimável para as gerações seguintes, pois ele ensinou a muita gente que Ciência não precisa ser chata e nem morde.
    Valeu.

  6. Mais parecem devotos de uma nova seita.

    Cientificismo reducionista.

    Esse seriado dos anos 80 virou paradigma fundamentalista da geração teen e pós-teen dos anos 2000.

    Essa estranha exumação e apropriação ideológica mais revela a carência de genuínos e alternativos referenciais dessa geração Y.

  7. Apesar de sempre ter me interessado por ciências e correlatos, e já conhecer o nome de Carl Sagan, recém terminei de ler o primeiro de muitos livros escritos por este grande divulgador científico (O Mundo Assombrado Pelos Demônios). E estou no 10º episódio da série Cosmos. Cada episódio é uma verdadeira aula de como divulgar ciência que só ele sabe ministrar com seu jeito divertido, mas sem deixar de lado a precisão nas informações.

    Sagan deixou uma enorme lacuna quando partiu. Imagino como ele se maravilharia com as descobertas recentes da ciência, e que novos projetos ele estaria envolvido.

  8. Sem Carl Sagan não estaríamos usufruindo dos benefícios da Ciência e de seus avanços tecnológicos.
    Carl Sagan é o pai da Ciência, da Nasa e dos Céticos.
    Ave Carl Sagan!
    Carl Sagan é o cara!!!

  9. 1. É, sem dúvida, sempre muito bom ler Carl Sagan ou assistir a exposições multimídias de suas idéias.
    2. É decepcionante, entretanto, essa crença do saite (fé pura) na santidade dos governantes hegemônicos e da Mídia internacional. E na sacralidade da Ciência.
    3. Quanto a esta, já dizia Gregory Bateson, cientista e pensador dunidense, que “a Ciência nunca prova nada” (in Mente e Natureza, Ed. Francisco Alves, 1986, pág. 33). Não faz sentido, portanto, duvidar das ridículas crenças religiosas (eu, pessoalmente, aprecio muito os deuses gregos, que aparentemente não obrigavam a população a sustentar intermediários parasitas) e cair nos braços de outros deuses (carissimamente intermediados por sofisticados laboratórios, onde só entram os “eleitos”, ou os amigos dos Poderosos da época atual)…
    4. Quanto à Mídia (Internacional ou Nacional), credibilidade próxima do zero. Só as futilidades apresentam alguma fumaça de verdade; o que é importante é mentira enfeitada. Na antiga URSS o jornal Pravda representava a Verdade Oficial; nos tempos modernos, a Verdade Oficial é representada pelas grandes corporações (no Brasil, por Veja e Rede Globo, apresentadores da Verdade de Washington), e contestá-las pode levar a um moderno inferno astral (do “assassinato” de reputação ao desaparecimento físico, este naturalmente não rastreada pela Mídia).
    5. Além dos veementes indícios de que os “hómi” nunca pisaram na Lua (e que os dunidenses nunca responderam à altura), há, ao meu ver, um indício maior: Se eles foram (e mais de uma vez) à Lua nos idos de 1969, porque de repente pararam e passaram a tergiversar sobre o assunto? Será que foi por causa de “os russos” logo terem adquirido tecnologia de rastreamento de incursões orbitais?
    6. Pois é, 50 anos depois, e nada deles arriscarem uma nova viagem. Falam em dinheiro, mas desde quando dinheiro é problema para quem emite o “dinheiro internacional” (o dólar)? Gastaram no Iraque cem vezes mais do que gastariam com uma nova “viagem à Lua”. Sem contar que a tecnologia atual é pelo menos 1 milhão de vezes mais poderosa do que a daqueles idos.
    7. Atualmente os dunidenses “espaciais” se contentam em manter uma estação orbital, chamada mentirosamente de “estação espacial”, aproveitamento de um projeto soviético. E dali não passam nem que a vaca tussa.

    1. É descepcionante ver como alguém ainda duvida que o homem foi a lua…

      note: não existe dunidenses nem estadunidenses, e sim americanos. Tenho certeza que você não gostaria de ser chamado de federativo-republicano.

  10. Sagan me ensinou a ver a vida, a ver o universo. Ele enfrentou oposição monstruosa dos seus pares por levar a ciência às pessoas em geral. Mais santo do que qualquer santo.

  11. “Conheci” Carl Sagan quando tinha dez, onze anos. A Globo transmitia, sábados pela manhã, os episódios de sua série “Cosmos”, presenteando-me com conceitos de astrofísica e história da corrida espacial, história e antropologia, arte, e as maravilhas do planeta Terra. Planetas, estrelas e grandes cientistas passeavam pela tela num misto de laboratório de escola com Star Trek. A mim, e a vários pirralhos da mesma idade, aquilo era fascinante. Não havia TV a cabo nem youtube, assim esperávamos ansiosos pelo próximo sábado, abrindo mão de dormir um pouco mais para não perder o episódio. Com Carl Sagan (não apenas em Cosmos, mas em vários livros e artigos lidos durante os últimos trinta anos) aprendi muito, talvez mais do que ele jamais pretendeu me ensinar. Ainda lembro a sensação que tinha (e ainda tenho) cada vez que Sagan pronuncia “billions and billions of stars” sob a trilha do Vangelis: a de que sou, ao mesmo tempo, tão insignificante quanto precioso. “Cosmos” deveria ser apresentado, todos os dias no café da manhã, para os governantes do planeta, para os intelectuais intransigentes, para os artistas egocêntricos, para os ilustres congressistas que amam o “puder”, para os sarados e os sedentários, para os miseráveis e para os magnatas, para as crianças e para os octogenários. É uma fantástica injeção de humildade magnificente, se é que esse conceito já foi formulado anteriormente. E além disso, Cosmos me ensinou a traçar constelações no céu, o que em momentos de tristeza também ajuda a seguir em frente. Ora, direis, ouvir Sagan…

  12. Arlei falou tudo, ou quase tudo

    Desde pequeno sempre gostei de programas cientificos, assistia muito o canal TV escola.

    E amigos, ainda hoje, em outubro ou setembro de 2010, ainda passava Carl Sagan no canal TV escola, e eu sempre assistia, e sempre comentava com meus amigos que tinha um carinha de cabelo liso que era conhecedor de muita coisa dentro e fora do nosso planeta. agora sei o nome dele graças a esse artigo ^^

    Fiquei triste de saber que ele ja se foi ( ja maginava ) mas o que importa é o que ele fez em vida, que repercutirá por muito tempo

  13. Tambem conheci Sagan pela serie Cosmos que foi um marco em minha vida. Tive a grande sorte de adquirir logo depois o seu livro ‘Romance da Ciencia’ que solidificou em mim o espirito critico. Assim que pude, adquiri em dvd toda a serie. Sem palavras. Imperdivel.

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