Por que 1947?

Martin Kottmeyer, publicação gentilmente autorizada

O ufólogo britânico Kevin McClure formulou esta pergunta a um punhado de colegas no início dos anos 1980. Sete ensaios foram o resultado e eles preencheram a edição final de seu zine Common Ground. McClure declarou sempre ter sentido que era uma questão fundamental sobre o fenômeno OVNI que poderia solucionar as contradições de por que a evidência pessoal é tão volumosa enquanto a evidência objetiva é teimosamente não-existente.
A questão é um desafio para explicar uma das poucas certezas sobre o fenômeno OVNI. Aquele ano marcou seu começo como um mistério moderno. Mas à primeira vista, 1947 deve ser um dos anos menos importantes do século vinte. Nenhuma Guerra Mundial estava em andamento. Se havia quaisquer conflitos ou crises, eles não eram de um nível para entrar na maioria dos livros de história. O programa espacial estava anos distante. A economia não parecia estar em recessão ou inflada. Nem a cultura de ficção científica nem a literatura do oculto exibia qualquer desenvolvimento especial. A maior parte das idéias básicas do credo OVNI já estava presente em 1913 e encontrou um lar nos trabalhos de Charles Fort muito antes de 1947.
As respostas que McClure recebeu eram seguramente inovadoras nos anos oitenta, mas não mostravam nenhum consenso claro. Algumas pareciam um pouco vagas. Peter Rogerson advertiu que apenas investigadores americanos com vastos fundos poderiam começar o tipo de estudo de contexto detalhado necessário para responder tal pergunta. Um olhar rápido nos jornais durante junho de 1947 mostrou apenas uma ameaça de greve de mineiros e uma conferência de quatro potências sobre a questão de Berlim – material nada momentoso ou terrivelmente promissor para tecer uma tese sociológica clássica a respeito. Outros fatores que vieram à sua mente: esperanças e temores sobre ciência e tecnologia, a situação internacional, a persistência de imagens de tempo de guerra, apreensão com relação a uma super-tecnologia soviética, crescimento de interesse em ficção científica. Ele se perguntou sobre o que a idéia de visitas extraterrestres poderia ter significado em 1947 dada a ausência de especulações sobre vida extraterrestre nos anos quarenta? Esta é uma evidente alusão ao efeito desanimador da idéia de Chamberlin-Moulton de que o sistema solar seria o resultado de uma colisão próxima de estrelas. Esta teoria sugeria que vida deveria ser rara. Enquanto ele achou certo que era "um rumor de experiências em lugar de uma invasão real de um fenômeno físico alienígena", não ofereceu nenhuma conclusão à tarefa essencial de responder a pergunta de McClure.
Shirley McIver olhou para as idéias de tensão da Guerra Fria sobre uma guerra nuclear, cumprimento de desejos, ou uma função mítica, mas achou que no final das contas elas parecem "bastante vazias para o sociólogo". Talvez a influência da ficção científica e subculturas de ciência heterodoxa contivessem a chave de algum modo, mas ela não desenvolve isto além de mera suposição.
Robert Morrell sentiu que a ufologia moderna era uma "continuação de certos estudos do século 19" e assim um assunto não tão novo. A era moderna trouxe uma nova popularidade e uma infusão de imagens espaciais da ficção científica, cinema, quadrinhos, mais o condicionamento da mente popular por avanços tecnológicos feitos durante a Segunda Guerra em força nuclear, aeronáutica e foguetes. Mas ele evita confrontar o que foi especial em 1947. Robert Girard, de forma similar, negou que houvesse qualquer coisa especial e escreveu a tirada inevitável: "Por que não?".
Hilary Evans considera a idéia de que uma série de circunstâncias fizeram com que o relato de Kenneth Arnold se tornasse um evento de mídia, mas a rejeita pelo que, para ele, seria uma idéia tão negativa. Ele conclui que 1947 não pode ser totalmente explicado através de fatores psicológicos e sociológicos. Uma onda genuína aconteceu em 1947. Evans quer dizer com isto que aceitou a afirmação de James McDonald de que uma grande proporção dos casos de 1947 era tão sólida quanto qualquer um já relatado. McDonald implica que isso significa que são extraterrestres. Mas a pergunta básica ainda permanece. Qual é o motivo da escolha dessa data para uma visitação em massa? Se considerarmos o caso Arnold como um caso solucionável, a noção de um grande caso espúrio gerando um evento de mídia que por acaso coincide com o começo de uma onda extraterrestre genuína soa implausível. Evans não pareceu seguir a lógica de McDonald. Ele pensa que seria irresponsável descartar estes casos "como fenômenos psicossociais". Contudo, a prova de sua autenticidade se apóia somente na proposta de que "ninguém pode ler a revisão objetiva de Ted Bloecher dos eventos OVNI do verão de 1947 sem compartilhar sua conclusão". Francamente, em verdade isso pode ser feito. Sólido depende do peso do martelo.

Douglas Payne enfatiza o papel do relato de Arnold em seu ensaio. Embora concedendo que o caso "pode certamente ser descrito como deficiente em evidência e poderia ser classificado como um possível relato de um objeto voador identificado", ele argumenta que foi o que psicólogos chamam de "uma comunicação persuasiva". Arnold era completamente confiável, seu relato era seguro, sem incertezas e bem detalhado. Sua história, "embora incomum, era completamente plausível." Eles não estavam tão distantes de desenvolvimentos tecnológicos contemporâneos para torná-los inacreditáveis.
Isto está errado em vários aspectos. A velocidade dos objetos de Arnold era assombrosamente mais rápida que o que estava sendo visto na aviação da era. Arnold foi bastante ambíguo sobre o que ele pensou que viu e inicialmente se recusou a especular sobre o que viu. Ele mesmo observou, "parece impossível, mas está lá". O relato não era nem universal nem geralmente persuasivo. Uma pesquisa Gallup de 1947 mostrou que 29% pensavam que os discos eram uma ilusão ótica ou imaginação e 10% pensaram ser uma fraude. Notavelmente menos pessoas ofereceram opiniões sugerindo crença: 15% – arma secreta norte-americana; 3% – dispositivos de previsão do tempo; 1% – russos.
Payne está em bases muito mais seguras quando acrescenta que o relato de Arnold forneceu uma ferramenta necessária – um rótulo. O termo disco voador provavelmente fez "mais para a promoção de OVNIs" que qualquer outra coisa desde 1947. Este slogan foi "decisivo para alcançar uma apreciação em massa de OVNIs".
Nigel Watson achou sugestivo que pouco antes de 1947 houve uma onda de foguetes fantasma em 1946 na Escandinávia. Estava obviamente relacionado às armas V da Segunda Guerra Mundial. O termo foguete fantasma ordenou as percepções de um modo, a introdução do termo discos voadores em 1947 teve uma atração mais ‘universal’ que reordenou as percepções em outros quadros de referência. Ele pensou que tinha uma elegância que englobava tanto o secular quanto o religioso e serviu como uma projeção de medos sobre o poderio nuclear e armas nucleares.


"Bombas fantasmas causam grande interesse britânico",
manchete do jornal suíço Aftonbladet, 27 de agosto de 1946 [AFU]

Que ninguém neste grupo optou por oferecer a solução convencional entre ufólogos adeptos da hipótese extraterrestres – alienígenas chegaram
porque estavam preocupados com os terráqueos criando a Bomba, e estavam assim dando uma verificada – expressa bem sua sofisticação. Aparte a questão sobre o atraso entre Alamagordo ou Hiroshima e 1947, a teoria de reconhecimento nuclear sofreu numerosos fracassos. Testes nucleares supostamente atrairiam relatos de discos, mas não o fizeram. As ondas de avistamentos deveriam se limitar aos poderes nucleares, mas elas também aconteceram em países latino-americanos. A maioria dos avistamentos ocorreu em áreas de nenhuma relevância à segurança. ("UFO Flaps: An Analysis," The Anomalist #3, 1995, pp. 65-7.) As muitas advertências de alienígenas transmitidas por contatados sobre os efeitos da Bomba também nunca se concretizaram. ("Still Waiting: A Collection of Predictions from the Ufo Culture" <http://www.anomalist.com/features/features.html> e.g. #24, #25, #47, #69, e meu ensaio em espanhol Transmutaciones y Transfiguraciones in Transmutaciones / La Mitopoyeses Ufológica com Stefania Genovese Prêmio "International Zurich" Fundación Anomalía, Dezembro 2001, pp. 11-130). A idéia ainda circula em círculos ufológicos, mas não parece haver nenhuma razão nova ou mais apropriada para apoiá-la.

A Cola Revisada
Contemplando a pergunta de McClure na virada do milênio, a resposta mais avançada deve tomar agora uma forma como a seguinte. O relato de Arnold em 1947 era uma notícia excitante. Os objetos eram muito rápidos. Eles eram muito misteriosos. Se uma solução com autoridade pudesse ter sido descoberta nos primeiros dias, se os pilotos dos discos houvessem sido capazes de dar um passo à frente e assumir o crédito ou responsabilidade, a História teria rapidamente se esquecido dos discos. A invenção do termo disco voador em 1947 aprisionou o conceito na imaginação tão seguramente quanto palavras como Prozac e Viagra estão aprisionadas na consciência cultural por suas propriedades mágicas.
A guerra viu muitos desenvolvimentos novos no campo da aviação. As armas V nazistas, particularmente os foguetes V-2, foram um avanço quântico significativo. Desenhos incomuns eram a ordem do dia. (Bill Yenne, The World’s Worst Aircraft, Brompton Books, 1990.) A edição de maio de 1947 de Mechanix Illustrated tinha uma fotografia na capa da "Panqueca Voadora", um avião semi-circular sem cauda com uma cabine destacando-se ligeiramente para a frente. A semelhança com o desenho no relato de Arnold para a Força Aérea parece significante e compelidora. Afirmou-se que figuras de um planador Horten mostrando um piloto em uma posição reclinada apareceram em vários jornais ao redor do país antes da onde de 1947. Os irmãos Horten eram engenheiros nazistas com perícia técnica conhecida. Alguns grandes jornais da costa oeste, depois que a onda começou, incluíram desenhos de uma aeronave em forma de disco com o piloto em uma posição reclinada como esta aeronave Horten. (Jan Aldrich "The Horten Brothers, Air Materiel Command, and UFOs: Perspective Thinking" Project Sign website.) Alfred Loedding, que iniciou o Projeto Sign da Força Aérea, era uma grande autoridade em projetos de aeronaves de asa voadora sem cauda, de alguns modos semelhantes ao relato de Arnold. Ao redor de 1940 ele construiu um modelo experimental de uma asa voadora.


A "Panqueca Voadora" Vought

Aeronaves também estavam se tornando cada vez mais rápidas. A Panqueca era a aeronave naval mais rápida de seu tempo. É notável que a barreira do som seria quebrada por Chuck Yeager apenas meses depois do relato de Arnold. O general Henry "Hap" Arnold estava prevendo em fóruns como o New York Times e Life em 1945 que novas super-armas aéreas estariam surgindo no futuro próximo tais como bombardeiros monstro e projéteis dirigidos com precisão refinada. Haveria "bombas atômicas robô a jato que serão guiadas através de televisão e encontrarão seus alvos pelo radar". Guerras futuras envolveriam bombardeios atômicos "destrutivos além dos pesadelos mais selvagens da imaginação". Seriam rápidos e terríveis. "Estas coisas no estilo Buck Rogers sobre as quais estou falando não estão tão distantes quanto você poderia pensar". ("Echoing Arnold" REALL News, agosto 1995) A pesquisa Gallup evidenciando a presença significante de uma crença em discos como armas secretas reforça a importância do contexto pós-guerra da emergência da crença em discos.
O status identificado do relato de Kenneth Arnold parece mais firme que nunca após a solução de James Easton envolvendo Pelicanos Brancos americanos. Tim Printy observou que Easton recebeu muitos ataques da turma a favor da hipótese extraterrestre por sua sugestão, principalmente no website UFOmind. Printy concorda que a noção tem mérito e explica bem muitas partes do caso. A combinação do vôo errático dos objetos e o vôo em grupo com a forma de vôo dos pelicanos é incontestada. A discussão ocorre sobre distâncias incertas, velocidades relativas e impossibilidades propostas como reflexões metálicas especulares. A noção caprichosa de que extraterrestres no final das contas voariam de forma errática como pássaros acaba por minar qualquer esperança de que a hipótese extraterrestre ofereça uma interpretação melhor às observações de Arnold. O mesmo ponto se aplica a explicações envolvendo aeronaves terrestres e armas secretas. A ausência de estrondos sônicos e uma população de testemunhas mais próximas que Arnold à frota proposta de aeronaves permanece e continuará permanecendo uma barreira para a aceitação das estimativas de velocidade e distância em seu relato.
Se nós voltarmos no tempo e avisássemos Arnold que ele deveria adiar seu vôo pelo Monte Rainier, nós certamente não teríamos discos voadores. Sem isto, a onda de 1947 também não ocorre. Se algum outro mistério aéreo, com um nome diferente, teria aparecido em seu lugar é algo interessante para ponderar. O acidente de Mantell teria ocorrido de toda a forma e se poderia deduzir razoavelmente que ele também teria instigado mistérios aéreos na consciência popular e teria gerado respostas semelhantes. Nossa pergunta teria sido então, "Por que 1948?". Provavelmente se poderia defender que as ondas de 1952 e 1957 também teriam acontecido. Nós acabaríamos tendo algum tipo de mistério OVNI, mas pareceria diferente e talvez se comportasse de forma diferente também. Não teria ganhado popularidade e foco tão rápido quanto o termo ressonante "disco voador". Mas o ambiente cultural do pós-guerra provavelmente garantiria que temores de segredos tecnológicos nos dariam alguma forma de paranóia com relação a super-armas.
Uma faceta desta paranóia encontra sua origem no dia 12 de março de 1947. Nessa data Truman se dirigiu a uma sessão comum do Congresso e discursou em termos graves, apocalípticos do comunismo como uma ameaça mundial insidiosa. Aqueles que amavam a liberdade teriam que lutar a toda hora e em todas as frentes. Truman rapidamente criou um programa de revisão de lealdade federal. Um objetivo deste discurso era assustar o povo americano para conseguir apoio militar para auxiliar um regime grego à beira de uma guerra civil. A ajuda foi concedida, mas se saiu bem demais em assustar as pessoas. Norman Thomas estava fazendo uma viagem pela Califórnia naquela primavera e ficou pasmo em quão rapidamente um "anti-comunismo histérico varreu o estado". Os historiadores David Caute e Athan Theoharis confirmam que este medo penetrante do comunismo rapidamente tomou a nação. Uma pesquisa em 1947 mostrou que 66% dos americanos acreditavam que a União Soviética era "agr
essiva", comparados com 38% em 1945. (Paul Boyer By the Bomb’s Early Light University of North Carolina, 1994, pp. 102-3.) Um dos primeiros movimentos do governo em investigar o problema dos discos voadores incluiu verificações do histórico daqueles que alegavam ter visto discos para determinar se eles teriam ligações comunistas. Eles não tinham. A erosão da confiança básica através de testes da lealdade de americanos poderia ser um fator chave na escalada da paranóia neste período.
Se as especulações extraterrestres seriam inevitáveis sem o paradoxo levantado pela estimativa de velocidade feita por Arnold é uma questão um pouco diferente. A velocidade era importante nos documentos do Projeto Sign da Força Aérea e nos primeiros ensaios de Keyhoe e Heard, mas seria crucial? É difícil dizer se casos OVNI posteriores de menor relevância forçariam o assunto ou não. Os contatados teriam emergido da cultura oculta com alegações de contatos extraterrestres mesmo sem Arnold e Keyhoe. Fort ainda teria seguidores. A ufologia estilo hipótese extraterrestre porém estaria em desvantagem sem discos supersônicos como uma imagem sugestivamente superior à tecnologia convencional. No mínimo levaria mais tempo para se tornar dominante. No final das contas entretanto, qualquer ufologia sem uma hipótese extraterrestre parece quase inconcebível e talvez seja. A pergunta de McClure provavelmente terá respostas ainda mais longas no futuro, enquanto o conhecimento avance, mas estes componentes provavelmente permanecerão salientes no retrato final.

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