Um Mito Nada Moderno

Excerto de “A Desconstrução de um Mito“, de Carlos Reis e Ubirajara Franco Rodrigues. Reprodução gentilmente autorizada.

Em ufologia, como em qualquer outra área do conhecimento, uma conclusão prematura é inescapável ao erro, já que a elaboração de um argumento anêmico, impreciso, meramente indutivo torna-se presa fácil do raciocínio lógico. A neutralidade e a isenção, normalmente ausentes nestes casos, propiciam uma linha sinuosa na defesa de conceitos pré-estabelecidos. É preciso empregar a técnica socrática para desfazer falsas crenças e eliminar os agentes maliciosos de pensamento. De um ponto de vista mais técnico, a falta de rigor no levantamento de dados, a análise e interpretação malfeitas dos fatos e o uso incorreto de metodologias confiáveis impedem a geração de conhecimento.[1]

O mito dos discos voadores origina-se de uma realidade material desconhecida, mas transcende-a à medida que incorpora dinamismos psicológicos, forças arquetípicas e padrões culturais, forjando um novo significado para a articulação de tais elementos. Esse processo faz com que a realidade material que serve de substrato ao mito perca toda a importância, submersa pela configuração formada. Chegamos inclusive a nos perguntar se esse mito não existiria mesmo sem qualquer referência ao plano físico, o qual duvidosamente desempenha o papel de mero alicerce para uma construção psicossociológica que lhe supera em importância tanto quantitativa como, sobretudo, qualitativamente.

De acordo com isso, e dentro da perspectiva hermenêutica, a própria ufologia pode ser descrita como um processo de reatualização do pensamento mítico, parecendo construir uma rede holística. Esta, consciente ou inconscientemente, integra os antigos mitos à cosmovisão técnico-coletiva sobre a qual se apoia nossa cultura, completando-a e, dessa forma, transformando-a. Por isso, um dos aspectos mais fascinantes da ufologia é o estudo dos “deuses-astronautas”, que busca suas fontes no passado remoto, assimilando mitologia e história. Seu objetivo, não declarado nem reconhecido, é integrar os discos voadores às raízes do espírito humano, renovando o contato com elas. Quando algo vem à luz ““ escreve Jacques Lacan ““ algo que somos forçados a admitir como sendo novo, quando uma outra ordem da estrutura emerge, ele cria sua própria perspectiva no passado, e então dizemos: isto jamais pôde não ter estado aí, existe desde toda eternidade.[2]

É uma regra empírica cujo alcance pode ser demonstrado até mesmo no âmbito da ufologia. Que o fenômeno Ovni é “uma outra ordem da estrutura”, eis algo que só agora começamos a perceber com todas as suas implicações, e a novidade está em ser algo “velho”, captada pelo menos desde o brado de alerta de Kenneth Arnold. Isto jamais pôde não ter estado aí, disseram os ufólogos, e puseram-se a rastrear os registros históricos, míticos e lendários, bíblia, escrituras indianas, para concluir que somos visitados por extraterrestres “desde toda eternidade”. É quase certo que a busca dos deuses-astronautas seja, de fato, uma busca de deuses.

Se consultarmos qualquer compêndio de mitologia, dificilmente encontraremos um tema que já não tenha sido reescrito em linguagem espacial por Däniken, Charroux, Kolosimo e todos aqueles defensores da teoria dos deuses-astronautas. O sucesso dessa empreitada ratifica a alteridade do fenômeno como fator estruturante da ordem mítico-histórica: os Ovnis podem realmente estar por aí há milhares de anos, mas a novidade é acreditar piamente que se trata de naves espaciais tripuladas por extraterrestres. Essa é uma das mais fortes evidências de que, com os discos voadores, estamos assistindo ao nascimento de um novo mito. Um mito moderno.

No fundo, estamos lidando com uma questão muito antiga ““ a percepção da realidade conforme a nossa percepção da realidade. Nos séculos 6 e 7 a.C. já se discutia a relação homem-objeto com Sócrates, Tales, e outros grandes pensadores. Protágoras, o pai do relativismo, foi exilado em 415 a.C. só por afirmar que com relação aos deuses, não posso ter certeza de que existem ou não, nem de como são em aspecto; pois são muitas as coisas que bloqueiam o conhecimento seguro ““ a obscuridade do conhecimento e a brevidade da vida humana.[3] Mas esse é apenas o ponto de partida. Atravessamos dois milênios e a discussão permanece em aberto, para deleite ““ ou desespero ““ dos filósofos. Entretanto, trata-se aqui não de discutir ou filosofar a realidade do fenômeno Ovni que é ““ perdoe a redundância ““ indiscutível. O problema são os procedimentos na abordagem do fenômeno, estes sim, altamente discutíveis.

O rei está ou não nu?

No sentido mais estrito, nada pode ser verdadeiramente provado por indução, e a ufologia tem tirado suas conclusões através de propostas eminentemente indutivas ““ aquelas que são prováveis à luz das evidências. A questão é que não existem evidências e sim indícios, e essa diferença linguística faz muita diferença. Enquanto o fenômeno é circunstancial, instável, atípico, inapreensível, insinuante e dissimulado, sua pesquisa é ilusória, caótica, inconclusiva e tendenciosa. Essa fratura inviabiliza a consolidação das relações entre um e outro. É preciso reaprender as formas de investigação, romper o fio tênue do discurso vazio e arejar um ambiente saturado de caprichos quiméricos. É essa a ufologia que está aí, que corre solta ao sabor dos ventos, onde aventureiros, crédulos, bem-intencionados, franco-atiradores, ingênuos, viajantes, visionários, delirantes e diletantes se cruzam e se afastam, se chocam e se repelem, sem quaisquer perspectivas de voos mais altos ou mergulhos mais profundos. É a parte visível daquele iceberg.

clip_image002

O rei está ou não vestido?

A verdadeira ufologia não é essa que desfila diante dos nossos olhos

Dentro do leque de manifestações que fazem a ufologia se assemelhar a um inextrincável quebra-cabeças, estão as abduções, cuja credibilidade é altamente questionável em razão de um quadro conhecido como “sintomatologia de abdução pós-traumática”, ou seja, sequelas físicas e comportamentos observados nas pessoas que afirmam terem sido sequestradas por alienígenas. Mas estes sintomas e estas marcas também se produzem por outras causas, outro ponto controverso na investigação dessas narrativas. Há um mecanismo inconsciente em ação que tem sido objeto de estudos não apenas dos psicólogos e psiquiatras ““ especialistas mais diretamente envolvidos com essa casuística ““ como também dos neurologistas, sociólogos e antropologos, já que é necessário primeiro separar aqueles componentes inconscientes para se chegar a um diagnóstico mais correto. É consenso entre estes estudiosos que diversas outras experiências apresentam o mesmo quadro sintomatológico, como as Experiências de Quase-Morte (EQM), as chamadas “viagens astrais”, se forem realmente possíveis, e o uso de alucinógenos, entre outras.

O que não se sabia sobre o funcionamento do cérebro, décadas atrás, começa agora a ter maior e melhor conhecimento. O desenvolvimento de novas drogas para uso medicinal, principalmente com aplicação em neurologia, tem proporcionado aos pesquisadores descobertas quase revolucionárias que colocam em xeque certas crenças no campo da parapsicologia, como a “projeção astral”, por exemplo. Em 2002, o neurologista suíço Olaf Blanke descobriu que, excitando determinadas áreas do cérebro através da estimulação elétrica em pacientes prontos a serem operados para o tratamento de epilepsia, ele provocava o desencadeamento de sensações como abandono do corpo e flutuações pelo recinto.

Os médicos da equipe de Olaf, dos Hospitais Universitários de Genebra e Lausanne, acreditam que o giro angular seja o local onde a informação visual é associada com o sistema de representação do corpo através de dados sensoriais, como o tato. Ao que tudo indica, existem no cérebro grandes áreas relacionadas às emoções, que se encontram fortemente ativas durante as experiências místicas, os estados meditativos, as experiências extracorpóreas e as experiências próximas à morte. Do mesmo modo, dois pesquisadores da Universidade da Pensilvânia, Andrew Newberg e Eugene D’Aquili, que escreveram o livro Why God won’t go away (Porque Deus não vai embora), estudaram grupos de meditantes budistas e freiras franciscanas em oração, e comprovaram que em estado de oração ou meditação profunda ocorre uma diminuição drástica da atividade cerebral no lobo parietal superior, justamente a mesma área do cérebro responsável pelo senso de orientação no tempo e no espaço, bem como a diferenciação entre o indivíduo e os demais seres e coisas.[4]

O que significa isto? Aonde queremos chegar? Significa que o avanço da ciência, em particular da neurobiologia, está abrindo novos caminhos a respeito da investigação cerebral, caminhos nunca antes trilhados porém intuídos e exaustivamente procurados. Com isso, queremos dizer que toda e qualquer manifestação de caráter paranormal, mediúnico, místico, esotérico, ocultista, que tenha suas raízes na mente humana, deve ser reexaminada profundamente, sem qualquer preconceito. Seria lícito supor ““ por mais absurdo que possa parecer ““ que existem áreas no cérebro cujos circuitos são especializados em fé ou apego religioso? É exatamente aí que se inicia a penumbra do nosso conhecimento. Talvez por isso os neurocientistas tenham se negado sistematicamente a dedicar tempo e pesquisa ao tema. Esse é o pensamento do Dr. Edson Amâncio, neurocirurgião do Hospital Albert Einstein, de São Paulo. Ele lança ainda uma outra dúvida: Pode uma avaria, um curto-circuito nas redes neurais que parecem governar a fé, desencadear uma crença que não existia ou estava adormecida?[5] Se as perguntas estão apenas começando, não se pode pretender respostas definitivas de quem quer que seja. De qualquer forma, recomendamos que guarde bem esta informação, porque ela será bastante útil quando chegarmos ao capítulo “A árvore de dourados frutos”.


[1] Oliva, A.; op. cit.

[2] O Seminário, livro 2: O Eu na Teoria de Freud e na Prática Psicanalítica. Jorge Zahar Editor, RJ, 1985.

[3] Fearn, N.; Aprendendo a Filosofar em 25 lições, Jorge Zahar Editor, RJ, 2004.

[4] In O cérebro e as viagens astrais, Dr. Luiz Otávio Zahar, www.ippb.org.br

[5] Scientific American Brasil, Religião e Epilepsia, abril de 2006

16 comentários sobre “Um Mito Nada Moderno

  1. Desculpe. Mesmo. Me sinto REALMENTE envergonhado de escrever tal coisa. Mas a leitura desse texto foi altamente cansativa, devido ao EXCESSO de palavras cultas e, digamos, erudição. Ficou um texto pesado e carente de sentido, ja que perde-se o fio da meada com extrema facilidade.

    Mas me perdoem. É só uma opinião, que pode não refletir a opinião do resto do público.

  2. Uai, gente. Creditá em disco avoador eu num credito. Mas que eles inzestem, ah isso inzestem.

    “Com isso, queremos dizer que toda e qualquer manifestação de caráter paranormal, mediúnico, místico, esotérico, ocultista, que tenha suas raízes na mente humana, deve ser reexaminada profundamente, sem qualquer preconceito”.

    Meu filho, não adianta verborragia para impressionar. Você bonitinhos da teoria de livrinhos de ciências, que fingem não ter preconceitos, deem um pulinho ali num centro de Umbanda da esquina, e digam para o caboclo, o preto-velho, ou o tranca-ruas da casa, que eles não existem. Tudo é encenação do psiquismo dos médiuns da casa e de milhões de médiuns por todo o Brasilsão. É uma histeria coletiva. Ninguém sabe nada, são todos uns burrinhos porque não leem livros de ciências.

  3. O melhor é que Sócrates utilizar a técnica socrática esta pareado ao Marx ter implementado o comunismo em algum país…. Teóricos e teorias, não necessariamente aplicadas… e qualquer discurso está permeado de ideologia… imparcialidade é utopia. Não consegui ler mais nada… Parei de ler por aí……

  4. Esse artigo ai indicado é a prova de que o autor deseja que milhões vejam com seus dois olhos, e pensem com seu limitado cérebro.

    Cético, claro, com a mesma e indissolúvel arrogante mesagem do eu conheço, eu sei; vocês crentes de todo o mundo é que são todos uns estúpidos e lunáticos.

    Discurso dos líderes totalitários que tanto infestam o mundo.

  5. Carlos,você tem certa razão em suas exposições mas o que se vê é que mesmo no meio cético nem todos acreditam na “conversão”de alguns.Veja o caso de um famoso ex-ufólogo místico que resolveu retirar do mercado seus livros por não concordar mais com o que escreveu neles….Por acaso devolverá o dinheiro para os que durante anos compraram suas obras?Me lembrou do FHC com o “esqueçam o que escrevi”

  6. Olá “Paulo”, tudo bem?
    Você comprou meus livros? Se comprou, posso ressarci-lo sim, desde que os devolva, mas sugiro que peça também a certa pessoa que devolva o dinheiro das baboseiras e mentiras que vendeu e continua vendendo, seja em forma editorial, seja em forma de livros e DVDs… Pena que dessa pessoa, jamais poderemos dizer “esqueçam o que ela escreveu”… rs…
    Você pluralizou… eu converti-me, criei “vergonha na cara”, assumi meus erros, tornei isso público. E você, “Paulo”? Pelo menos está começando a converter-se também, me parece, pois está acessando o site do CeticismoAberto. Sinal de humildade, ou desespero.
    Cuidado aí onde você está… está chovendo muito…

  7. Patounas,me desculpe se fui indelicado mas eu só há pouco soube de sua mudança de postura e fiquei um tanto decepcionado…Não que eu seja místico ou algo assim mas acho que não se deve renegar o passado.Claro que quando disse que deveria devolver o dinheiro era no sentido figurado,mesmo com sua mudança de postura ainda considero suas obras muito boas,principalmente “Memórias de um Kumara”
    Eu sei que tem muitos que usam a ufologia para ganhar dinheiro e concordo com você a respeito disso mas não devemos generalizar pois mesmo “naquele lado” ainda há excelentes pesquisadores.
    De qualquer forma se me excedi peço desculpas novamente.

  8. Só um adendo:Vejam o Caso do Claudeir Covo que é sem dúvida um dos mais sérios pesquisadores do Brasil e que ainda colabora com aquele grupo…

  9. Paulo,

    Gostei de sua educação e de sua postura.

    Mas fiquei indignado com a grosseria de seu interlocutor, e se fosse comigo não pediria desculpa alguma, porque você tem todo o direito de expressar seu pensamento. E acho que o ceticismo, principalmente no Brasil, não diz coisissima alguma e não prova nada. Ceticismo por aqui é só negação e negar é a mais fácil e descompromissada das opções.

    E ainda bem que tem gente virando cético porque o adágio: “quem não pode com mandinga não carrega patuá”, só prova que ciências esotéricas não é para qualquer um, e ser cético como por aqui, em absoluto é sinal de humildade, é fim de túnel mesmo!

    Abraços prezado Paulo.

  10. Paulo, em momento algum “brigamos”. O joio se separa do trigo naturalmente. Não deveria se decepcionar. Eu jamais me decepcionaria com alguém que reviu conceitos, modificou-se, etc e tal. Isso é mérito e não demérito algum. Mas claro, respeito sua opinião, afinal cada um é único e pensa de uma maneira. Às vezes somos indelicados em função de alguns viciados em fomentar discórdias. Aqui mesmo tem um… rs… quer aparecer, mas não consegue.
    Abraço

  11. Parece mesmo que ir e vir, dizer e desdizer é a característica de personagens inconstantes. Freud explica.

    Não compro discussão e nem briga de ninguém, somente fui solidário. Mas a pérola de que ser cético é sinal de humildade, foi hilariante e não podia ficar sem comentário, além da grosseria, claro, que foi desmentida em grande estilo.

    Não preciso aparecer. Sou realizado em tudo o que fiz, e tenho obras práticas no esoterismo. Não sou de recuar em minhas convicções, porque meu pensamento é arejado e claro.

    Agora, ser cético aqui no Brasil e na internet, Deus me salve! Saravá, vade retro!

  12. Na Bibliografia tem uma pequena omissão o nº 2 (Seminário, Livro 2: o Eu na Teoria de Freud e Técnica da Psicanálise) está faltando o nome do autor do livro “Jacques Lacan”, você só citou o editor.

  13. Muitas pessoas perdem o interesse em leituras assim, me interesso por qualquer coisa relacionada ao gênero, mas para que mais pessoas se interessem, deveria ser uma leitura mais “teen”.
    O meu cachorroou é retardado, ou vê coisas mesmo, de noite sem motivo nenhum ele late olhando pro céu. Vou no mesmo instante verificar e n vejo nada…

  14. Não sei se eu entendi bem… me perdi várias vezes e não é falta de leitura minha não.Enfim quando vc diz:
    “estudaram grupos de meditantes budistas e freiras franciscanas em oração, e comprovaram que em estado de oração ou meditação profunda ocorre uma diminuição drástica da atividade cerebral no lobo parietal superior, justamente a mesma área do cérebro responsável pelo senso de orientação no tempo e no espaço, bem como a diferenciação entre o indivíduo e os demais seres e coisas.” E aborda o fato como atividade que deve ser “reexaminada profundamente” soa como se a ciência estivesse finalmente podendo dizer “eu venci” naquela velha dicotomia entre igreja e ciência.No entanto acredito que esses estudos provam ainda mais que o corpo físico está totalmente atrelado a algo “maior”, espiritual talvez.
    Assunto interessante, mas deve “enxutar” seus textos.

  15. gostei do texto.
    e não vejo porque tanta celeuma quando apenas se propoe que com o avanço da tecnologia, o misticismo seja posto à prova.
    se o que surgir do exame for contrario às expectativas, podem-se esconder sempre atrás da fé. esta é imune à razão.
    só não queiram que seja imune ao escrutinio.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *