A Maldição Africana: Crenças Mágicas

por Richard Petraitis, publicado em REALL News, vol.8 / n.4 em abril/2000

Em março de 1996, um jornal da África Ocidental informou que histeria em massa havia irrompido pela Costa do Marfim. De acordo com o relato, quatorze supostos feiticeiros foram assassinados por multidões, dois foram mortos em Abidjan e doze vítimas conheceram seu fim brutal em Gana. Jovens africanos haviam ficado desesperados porque acreditavam que seus pênis haviam desaparecido (ou encolhido) quando estranhos usaram um "aperto de mão enfeitiçado" para cumprimentá-los! Durante a violência resultante, o governo de Gana respondeu com força armada para acabar com os linchamentos. A histeria estava baseada na crença local de que feiticeiros roubam genitália para fins abomináveis e mágicos.1 (Pela África Ocidental há um tráfico secreto de partes do corpo para uso em Ju Ju, uma forma de magia semelhante [sympathetic magic]. A obtenção física de partes de corpo humano por praticantes Ju Ju pode ter alimentado o medo de africanos Ocidentais de que poderiam ser separados de partes de sua anatomia até mesmo magicamente. Anteriormente, em outubro de 1988, dez dos cidadãos de Gana foram condenados à morte por envolvimento no tráfico secreto de órgãos humanos.2 )

Porém, nem a corda da forca nem o pelotão de fuzilamento detiveram o pensamento mágico de séculos de idade no continente africano. Os últimos cem anos do milênio africano começaram com a trágica rebelião Maji-Maji de 1904-5. Ela demonstrou as conseqüências temerosas do pensamento mágico. Foram mortos mais de 120.000 crentes na revolta Maji-Maji porque alguns médiuns espirituais prometeram tornar todos que usassem um remédio de guerra especial (água misturada com óleo de rícino e semente de millet) imunes a rifles alemães.3 Apesar de uma das refutações mais severas na História das alegações de poderes mágicos por meros mortais, sistemas de convicção baseados em mágica continuaram prosperando na grande massa de terra africana. Pessoas desesperadas buscando se livrar dos colonizadores europeus continuaram acreditando em poderes paranormais como um caminho para a liberdade.

Em março de 1947, a ilha de Madagascar foi varrida por uma sangrenta revolta nativa contra os colonialistas franceses. Feiticeiros das aldeias prometeram aos oprimidos Malagasies uma vitória fácil contra os soldados franceses. Os feiticeiros contaram aos rebeldes que os feitiços deles fariam os rifles franceses atirar apenas água! Inicialmente, alguns brancos foram mortos, mas quase 11,000 rebeldes morreriam. Quando a proteção mágica provou ser uma fraude, os feiticeiros mantiveram a rebelião viva usando profecias. Estes homens mágicos contaram aos Malagasies (armados apenas com lanças e machetes) que os EUA ajudariam seu exército rebelde. Qualquer sonho de que as forças americanas iriam logo aparecer na ilha desapareceu, e a Revolta das Lanças foi esmagada em dezembro de 1948.4

Governos coloniais nunca tiveram nenhum sucesso muito grande em erradicar crenças africanas na magia, feitiçaria e bruxaria. O pensamento mágico permaneceu profundamente arraigado como crença cultural. Após o êxodo europeu do continente africano, o pensamento mágico remexeu os ânimos de violência e inquietação revolucionária. Em 1962, a cena política da Rodésia do norte viu a ascensão de uma sacerdotisa Voudon chamada Alice Lenshina. Ela pregava às massas que havia sido trazida dos mortos por Deus! Esta sacerdotisa carismática logo ganhou sessenta mil discípulos e lançou uma caça brutal por bruxas. O governo Rodesiano condenou o programa de erradicação de bruxas de Lenshina, e interveio com o exército. Lenshina disse para seus discípulos que não temessem as balas dos soldados porque ela as faria virar água com sua magia. Estrondos seguiram, e setecentos seguidores de Alice foram despachados provando que feitiços não farão seu corpo imune a disparos de rifles. Os distúrbios terminaram quando a sacerdotisa foi capturada pelas autoridades.5 Até onde eu sei, Alice Lenshina nunca se ofereceu pessoalmente para demonstrar sua própria habilidade de transformar balas em H2O.

Convicção mágica era uma parceira conveniente para políticos africanos; homens subiram ao poder em várias novas nações africanas usando convicções locais em magia para sua vantagem. Um desses homens foi Francisco Nguema. Durante os anos setenta, Nguema conseguiu convencer a maioria da Guiné Equatorial de que ele era um grande feiticeiro. Este ditador cruel acreditava que retirava seus poderes ocultos de uma coleção de crânios guardada na casa dele! Infelizmente, a maioria dos cidadãos de Guiné acreditou nele. Nguema usou os muitos feiticeiros daquela nação para espalhar propaganda sobre seus poderes para todos os cidadãos. O ditador era especialmente notado por suas conversas com os mortos — especialmente com aqueles que ele tinha mandado matar! Nguema criou histórias de fugas de assassinos para aumentar sua reputação sobrenatural. Durante um reinado de dez anos, estima-se que Nguema executou cinqüenta mil pessoas.6 Quando o ditador foi deposto, não se pôde encontrar voluntários para executar o velho feiticeiro. Os cidadãos de Guiné Equatorial acreditavam que Nguema podia mudar de forma [shapeshifter] e que poderia voltar dos mortos como um tigre para buscar vingança. Um pelotão de fuzilamento teve até mesmo que ser importado do Marrocos muçulmano para levar a cabo a pena de morte deste estranho homem. Em 1979, Nguema foi executado.7 Até onde sabemos, não há relato de nenhum tigre espreitando as cidades ou aldeias da África central. Quem sabe o Marrocos tenha sido palco para a vingativa rematerialização de Nguema na forma de tigre? Crença em magia de semelhantes, feiticeiros e bruxas continuou causando destruição nas antigas colônias européias.

Portugal foi uma das últimas nações européias a sair da África. O governo português abandonou a colônia de Moçambique enquanto o feiticeiro Nguema estava no ápice de sua carreira. O governo Marxista da Frelimo (Frente de Liberação do Moçambique) tomou o poder e foi desafiado por um exército insurgente, chamado Renamo, patrocinado pela Rodésia. Em 1975, um conflito sangrento começou a se arrastar pelos anos noventa e custou quase um milhão de vidas africanas! Tanto as unidades militares Renamo quanto Frelimo possuíam muitos partidários da magia dentro de seus escalões. Guerreiros Renamo usaram curandeiros para preparar seus corpos com ervas antes de batalhas. Estas ervas deviam agir como um tipo de colete mágico à prova de balas para soldados. Quando a magia falhava, os guerreiros Renamo arrastavam os corpos de seus companheiros mortos para enterrá-los secretamente. Foi desta maneira que sua reputação de magia seria mantida para intimidar soldados da Frelimo.8 Às vezes, guerreiros Renamo eram levados à luta por um curandeiro abanando um rabo de cabra para transformar balas em água!9 Isto não é tão incrível quanto a crença dos insurgentes antigovernamentais de que certos ritos mágicos os faziam invisíveis para o inimigo. Um general Renamo, de acordo com documentos capturados, empregou até mesmo um ajudante para registrar milagres do campo de batalha. Este militar acreditava que espíritos ajudantes enganavam os soldados inimigos a atirar uns nos outros.10 Se os milagres de campo de batalha houvessem sido a ordem do dia, talvez os civis de Moçambique não tivessem morrido em números tão grandes.

E quanto à magia e os soldados da Frelimo durante esta guerra civil do Terceiro Mundo? Evidentemente, os soldados Frelimo também não eram racionalistas; eles acreditavam na existência de bruxas! Em março de 1988, a Frelimo con
denou duas mulheres velhas à morte por lançar feitiços.11 A liderança socialista do Moçambique era tão frustrada por magia que recorreram a acampamentos de re-educação para centenas de feiticeiros, adivinhadores e curandeiros locais.12 O governo Frelimo falhou em sua missão de extinguir a convicção mágica, e nenhum grande abalo foi feito nas convicções paranormais da população do Moçambique. Não obstante, Moçambique não era o único país vexado por convicções em magia. A próxima Uganda logo se tornou o campo de batalha para guerreiros vodu.

Em 1987, a Uganda estava em tumulto pelo vácuo de poder deixado pela fuga de seu ditador, Idi Amin Dada. Dada havia sido um crente em magia; ele estabelecia a política de acordo com o conselho de adivinhadores. Ele interpretava seus sonhos e alegava orientação divina, usando adivinhadores locais para difundir boatos de seus poderes.13 É alguma surpresa que a Uganda fosse terreno fértil para a reencarnação de Alice Lenshina da Rodésia no disfarce de uma nova sacerdotisa voudon que chamava a si mesma Alice Lakwena? 1987 seria um ano triste para a Uganda. Alice Lakwena logo reuniu um grupo grande de Ugandenses para ajudá-la em uma revolta. Ela tocou de leve os seguidores dela com óleo de noz para lhes dar imunidade ao fogo de artilharia e então somou feitiços de proteção para seus guerreiros do Espírito santo desarmados. Suas tropas besuntadas de óleo então foram buscar luta com os soldados ugandenses. Lakwena armou seus guerreiros com fetiches vodu que eram nada mais que armas de madeira e brinquedos de arame.14 Ela contou para suas tropas não buscarem cobertura das balas na batalha. E se munição fosse necessária? Felizmente a sacerdotisa instruiu os guerreiros dela em como transformar abelhas em balas. Ela também contou ao seu exército que pedras lançadas contra o inimigo iriam explodir.15 Uma grande parte das tropas de Lakwena morreu em ataques suicidas acreditando no poder dela! Mais de mil membros das tropas de Lakwena morreram em ataques suicidas no período de um ano; uma estimativa falava de vários milhares. Felizmente, Alice Lakwena foi capturada por autoridades do Quênia, levando a revolta a um fim.16 Se apenas a revolta vodu de Alice fosse o capítulo final na dança trágica da África com magia… Porém, sistemas de convicção mágicos não morrem facilmente. O fim do século trouxe ao continente perseguições a bruxas!

De 1984 a 1994 a África do Sul foi tomada por uma histeria de bruxas provinciana que rivalizou a da Inquisição. Mais de quatrocentas pessoas foram mortas por habitantes depois de cerimônias por médicos feiticeiros e devido à paranóia dos próprios vizinhos.17 A queima, às vezes depois de julgamentos através de tortura, era o método preferido da justiça de vigilantes. Entre 1990 e 1996, o Quênia e o Congo se tornaram o palco mortal para trezentos e sessenta supostas bruxas, linchadas pelos supersticiosos.18 O problema de assassinatos africanos de bruxa ficou tão agudo que foram criados até mesmo acampamentos para proteger aqueles acusados de bruxaria, particularmente na África do Sul e Gana.19 Se a Quênia tivesse seguido este exemplo, talvez dez pessoas inocentes não tivessem sido queimadas até a morte dentro de suas fronteiras por uma turba rural em setembro de 1998.20 Assim o que devem fazer estes assolados estados nação do Berço da Civilização para quebrar a corrente de irracionalidade de seu povo? Será que seus cidadãos permanecerão eternamente presos a convicções em causalidade simplista? A tragédia aflige sociedades que se agarram a uma visão de mundo que seria melhor deixada no passado. John F. Kennedy tinha razão ao dizer que a paranóia associada com convicção mágica poderia fazer a vida em certas sociedades horrenda.21 Esperemos que a ciência e a racionalidade ajudem a corroer as convicções antigas que infestam a África na aurora de um novo milênio. Porém, a última década do milênio viu uma população de 200,000 curandeiros praticando feitiçaria apenas na África do Sul!22 As matanças não baixaram com o novo governo democrático da África do Sul — as queimas continuam! Desde o fim dos anos 80, a conta de mortes por linchamento de bruxas na África do Sul está provavelmente em algum lugar entre 1,000 e 2,000 pessoas. Quatro crianças e um adulto foram queimados vivos por feitiçaria em Balasi, África do Sul, em janeiro de 1999.23 Assim eu permaneço pessimista sobre o futuro da África no século 21. A irracionalidade cobra um alto preço em vidas humanas.

***

Bibliografia
1. C., Andy, Africa penis shrinker scare spreads (The Nando Times, March 8, 1996), available from http://alpha.mic.dundee.ac.uk/ft/r…ricapenisshrinkerscarespreads.html; accessed Sept. 7, 1999.
2. Harden, Blain, Africa: Dispatches From A Fragile Continent, New York, W.W. Norton & Co, 1996, pp. 80-82.
3. Kurtz, Laura S., Historical Dictionary of Tanzania, New Jersey, The Scarecrow Press, 1978, pp. 114-115.
4. Shoumatoff, Alex, African Madness, New York, Alfred A. Knopf, 1988, pp. 64-65.
5. Malaby, Sebastian, After Apartheid: The Future of South Africa, New York, Random House Inc. (Time Books), 1992, p. 171.
6. Decalo, Samuel, Psychoses of Power: African Personal Dictatorships, Boulder Co., Westview Press, 1989, pp. 52-54.
7. Decalo, Samuel, Psychoses of Power: African Personal Dictatorships, Boulder Co., Westview Press, 1989, pp. 52-54.
8. Finnegan, William, A Complicated War: The Harrowing of Mozambique, Los Angeles, University of California Press, Berkeley, 1992, pp. 64-67.
9. Finnegan, William, A Complicated War: The Harrowing of Mozambique, Los Angeles, University of California Press, Berkeley, 1992, pp. 64-67.
10. Finnegan, William, A Complicated War: The Harrowing of Mozambique, Los Angeles, University of California Press, Berkeley, 1992, pp. 64-67.
11. Finnegan, William, A Complicated War: The Harrowing of Mozambique, Los Angeles, University of California Press, Berkeley, 1992, pp. 64-67.
12. Malaby, Sebastian, After Apartheid: The Future of South Africa, New York, Random House Inc. (Time Books), 1992, p. 172.
13. Decalo, Samuel, Psychoses of Power: African Personal Dictatorships, Boulder Co., Westview Press, 1989, pp. 15-16.
14. Decalo, Samuel, Psychoses of Power: African Personal Dictatorships, Boulder Co., Westview Press, 1989, pp. 118-120.
15. "Magic Gone For Jailed Priestess" and "Suicidal Crusade Against Uganda Appears At End," Chicago Tribune, Composite of stories that appeared in the Jan. 1, 1988, Sports Final and the January 2, 1988, National editions.
16. AP, "Priestess Captured After Sending Troops To Their Death," Chicago Tribune, Dec. 31, 1987.
17. Sly, Liz, "Embers From S. Africa’s Past: Witch Burning,"Chicago Tribune, Chicagoland Final Ed., July 24, 1999.
18. Witch Hunt Part 2, http://www.illusions.com/burning/burnwitc2.htm, created by W.J. Bethancourt III, site accessed Sept. 7, 1999.
19. Agyekwena, Bernice, "Witch Villages In Ghana Mean Exile And Refuge," Chicago Tribune, Chicagoland Final Ed., October 27, 1996.
20. UPI, "10 Suspected Witches Burned," September 7, 1998, available

7 comentários sobre “A Maldição Africana: Crenças Mágicas

  1. Fico triste e ao mesmo tempo com medo do que as crenças podem promover. Nesse momento fico feliz por ter nascido no Brasil.

    Acabei de ver um vídeo de “bruxos” sendo violentamente espancados com os corpos ainda em chamas. Terrivelmente violento.

    Como já “diz” o ditado atribuído a Albert Einstein: “Só duas coisas são infinitas, o universo e a estupidez humana, mas não estou seguro sobre o primeiro”.

  2. É esse tipo de coisa que alimenta mais ainda a discriminação pelos negros.
    Quanto mais religioso é um pais, mas pobre ele é porque a religiosidade fanática vai contra a racionalidade.

  3. Isso é deprimente! No entanto, estou certa em fazer missões na África, guiné equatorial. É bem verdade que a religião só destrói e aliena! Mas Jesus salva! E alguém precisa levar a verdade que liberta, que transforma…eis-me aqui!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *