Fergana: Bom demais para ser verdade

Kentaro Mori

Imersos como estamos em nossa própria cultura, é comum olhar para desenhos, esculturas e objetos antigos e interpretá-los como algo diferente do que realmente representavam, forçando um olhar contemporâneo a obras de arte criadas em culturas muito diversas da nossa. É dessa forma que muitos desenhos antigos vêm sendo reinterpretados pela ‘ufoarqueologia’ fora de contexto como representando naves espaciais, extraterrestres em vestimentas especiais e muito mais.

É importante notar como as naves e artefatos espaciais se parecem como nós os imaginamos, em nossa cultura e em nossa época. O que é um tanto incongruente: é difícil imaginar que visitantes de outros sistemas estelares tenham vindo à Terra usando foguetes de propulsão química usando roupas espaciais incômodas iguais às que desenvolvemos nos anos 50 e 60. A verdade é que postos a imaginar, da mesma forma que ‘ufoarqueologistas’ fazem com desenhos da pré-história, nós podemos por diversão reinterpretar desenhos da pré-escola.

Porém, entre todas estas reinterpretações a que pode ser vista no começo desta página é um tanto única. Ela seria uma pintura rupestre encontrada no vale de Fergana, Uzbequistão, e teria 12.000 anos de idade. Olhe bem: há um verdadeiro disco voador, há um astronauta, mas esses não são os elementos mais desconcertantes. O mais desconcertante é a presença de perspectiva (note como o quadriculado do chão tende a convergir no horizonte, dando sensação de profundidade), e também como a figura à esquerda parece misturar diversas influências orientais, de imagens budistas a anjos alados, sendo que boa parte dessas imagens surgiria em culturas diferentes apenas milhares de anos depois, sendo unificadas apenas recentemente em nossa cultura ocidental moderna. Como explicar isso? Falar apenas em ‘reinterpretação forçada’ soa em si forçado.

Estranhamente, o desenho não só representa bem (até demais) discos voadores e extraterrestres, ele o faz de forma similar à que um artista contemporâneo faria, misturando as exóticas culturas orientais com estilos de desenho e mesmo ícones da cultura popular tipicamente modernos. A fonte da foto parece ser sempre os livros de Däniken (começando por ‘Eram os Deuses Astronautas’, do começo dos anos 70, e sendo repetida em diversos de seus outros livros). Já é um primeiro sinal de suspeita.

Clique para ampliarO francês Didier Leroux buscou a verdadeira origem da intrigante imagem, e no número 335 da revista de ufologia "Lumières dans la Nuit" ("Luzes na Noite") de fevereiro de 2000 revelou: ela não é uma pintura rupestre de 12.000 anos, mas sim a ilustração de um artista russo, publicada em junho de 1967.

O primeiro número da revista russa Spoutnik, publicada também em outras línguas, apresentava o artigo "Os Visitantes do Cosmo" de autoria de Viatcheslaw Zaitsev. Já na entrada está a familiar ilustração, que você pode conferir ao lado (clique para ampliá-la). Nela, pode-se ver a assinatura do artista.

Mas o leitor mais atento também pode descobrir que na legenda no campo superior direito, diz-se que a ilustração representaria um "cosmonauta" decorando as cavernas de Fergana. [Le dessin representan ce "cosmonaute" a ete decouvert sur des rochers aux environs de la ville de Ferghana (Republiqe Sovietique d’Ouzbekistan)]. Voltamos a ficar em círculos: afinal, o desenho de 1967 não seria apenas uma cópia da verdadeira pintura rupestre existente em Fergana? Para apoiar esta idéia, pode-se mesmo notar como a imagem mais acima é claramente uma foto de uma pintura que parece rupestre e antiga, e que além disto difere levemente do desenho da revista Spoutnik (é um tanto maior).

Figuras das páginas 110 e 111. Clique para ampliarFicaríamos em círculos e especulações, não fosse pelo segundo número da mesma revista Spoutnik publicar uma errata! Nela a revista se desculpa aos leitores pelo fato de que no número anterior a legenda da ilustração da página 107 (a nossa familiar figura) não se aplica a ela, e sim às imagens das páginas 110 e 111. Ou seja, o desenho é mesmo uma ilustração original! O mistério principal da incrível figura de Fergana acaba aqui.

Porém, se você quer saber quais eram os desenhos das páginas 110 e 111 daquele fatídico primeiro número um pouco lapso da revista Spoutnik, nada mais justo. São as muito mais críveis figuras rupestres que podem ser conferidas ao lado (clique para ampliar). Elas sim, seriam figuras decorando cavernas no Vale de Fergana!

Figuras rupestres do vale de FerganaCompare-as com estas outras imagens rupestres retiradas de uma fonte muito mais confiável. Segundo ela, o local mais abundante em figuras rupestres no vale de Fergana é Saimaly-Tash, com mais de 100.000 glifos. Eles incluiriam cenas de plantação, animais selvagens e domesticados, e carroças de caça. Nada de cosmonautas, ou pelo menos, nada como a incrível figura de Fergana que discutimos aqui.

Sim, você já deve estar adivinhando o que aconteceu. Realmente existem muitas figuras rupestres em cavernas do vale de Fergana. Ao que parece, existem entre elas algumas figuras mais curiosas, de pessoas com traços, pontos e círculos à volta de suas cabeças. Alguns sugerem que são desenhos antigos de astronautas, mas nós podemos com alguma segurança dizer que estas são reinterpretações forçadas. A revista Spoutnik publicou imagens destes "astronautas" em Fergana, mas por algum motivo a legenda acabou parando na ilustração original muito mais supreendente — porque foi feita por um artista contemporâneo. E é assim que uma ilustração original acabou sendo confundida com uma suposta pintura rupestre em Fergana.

Resolvida a origem contemporânea da imagem (que tem assim pouco mais de trinta anos) e o motivo pelo qual foi confundida com uma pintura rupestre de Fergana, restam duas perguntas. Primeiro, o que a ilustração representava? 

Uma breve olhada no artigo de Zaitsev rapidamente esclarece o ponto. A ilustração nada tem a ver com Fergana, pois se relaciona com a lenda contada por Zaitsev a respeito dos Dropas, das cavernas de Baian Kara-Ula, na fronteira entre a China e o Tibete.

Esta é outra das mais fantásticas histórias da "ufoarqueologia", e deixaremos para abordá-la em detalhe depois. Os curiosos podem conferir os links ao final deste texto, mas podemos aqui dizer rapidamente que a lenda dos Dropas é ao que tudo indica apenas uma lenda. Ela se refere a seres extraterrestres que caíram na Terra há milhares de anos, e entre o artefatos que deixaram estão discos gravados, similar
es aos antigos discos fonográficos (LPs). Agora olhe outra vez para o suposto desenho de Fergana. Os traços orientais e o estranho objeto segurado pelo ser estão explicados.

A última pergunta que resta é a única à qual não encontrei resposta. É o fato de que, embora tenha-se encontrado a origem do desenho em questão, a foto que muito circula claramente não é do desenho da revista Spoutnik. Alguém copiou o desenho, incluindo uma extensão de linhas, possivelmente em uma caverna (que de forma alguma precisa ser do vale de Fergana) e então tirou uma foto, que é a que todos conhecemos. Foi esta pessoa, com parcos dotes artísticos, que converteu um grande engano em uma grande fraude. Quem foi?

Abaixo está uma comparação entre o desenho original de Spoutnik e a maior foto que pude encontrar sobre a suposta imagem rupestre (clique para ampliar):

É fácil perceber como, além do que o artista russo de Spoutnik já havia desenhado, há pouco mais que uma desajeitada extensão de linhas.

Resulta impressionante que um engano tenha se convertido em uma fraude, e então tenha sido repetida e divulgada por tanto tempo e de tantas formas, sem que praticamente ninguém exercesse um julgamento crítico. É certo que sem a valiosa contribuição investigativa de Didier Leroux, nós aqui também estaríamos presos a dúvidas especulativas.

No entanto, qualquer pessoa já poderia levantar dúvidas a respeito da suposta imagem rupestre de 12.000 anos (que apresenta perspectiva, traços orientais, e principalmente, a ausência de fontes confiáveis e verificação independente) sem saber de toda sua intrincada história.

Ah sim, quanto ao último mistério da pintura, sobre quem seria o autor da fraude (que copiou o desenho para que parecesse pintado em uma caverna). É bom repetir que a fonte da foto parece ser sempre os livros de Erich von Däniken. Isso já é uma pista. 

– – –

Para saber mais
Les Fresques et découvertes archéologiques – Página francesa com muitas imagens, incluindo os valiosos scans de Spoutnik mostrados aqui, mais algumas páginas. Quase todo o artigo de Zaitsev está disponível, e lê-lo é fascinante, pois revela como tão pouco mudou nas especulações da ufoarqueologia em mais de três décadas. Outro ponto curioso é que o artigo de Zaitsev também foi importante para a disseminação da lenda dos Dropas.
Rock Art in Russian Far East and in Siberia – Artigo de Burchard Brentjes discutindo pinturas rupestres, que menciona de passagem os desenhos rupestres (reais) de Fergana.
Polêmica pintura rupestre do Uzbequistão – página do site Ufologia Objetiva, de Reno Martins, que procura defender de forma sensata a autenticidade da imagem, contrapondo argumentos expostos anteriormente neste texto (que era uma ‘Referência’).
Desenhos Antigos Reinterpretados – Um texto CA abordando o tema.
– No livro "O Ouro dos Deuses" de Däniken (Meine Welt in Bildern, 1973), a fonte da suposta foto de Fergana é atribuída, junto com diversas outras, à Constantin-Film.

14 comentários sobre “Fergana: Bom demais para ser verdade

  1. Me lembro de ter visto esta mesma foto na revista Ano Zero dos anos 90, só que ela era um pouco mais nítida e não havia 3 olhos na criatura que levanta a mão como se estivesse saudando! Essa figura ficava na esquerda da foto!

  2. Ofensivos?Quer dizer que ser contra sua opinião eser ofensivo: Gradbne pesquisador/comentarista você é. Kentaro Mórbido, acho uma perda de tempo discutir algo aqui. Por mais que essa “pista” não seja autêntica, você fez um festival mistureba de fontes, que também não são autênticas e confiáveis, para tentar comprovar numa suuposta fraude, que você acredita ser, e não conseguiu. Ao menos, não convenceu. Você colcoa como verdade absoluta a versão da revista russa (dããã, russa), mas não é. Nítido está que você não acredita em traços deixados por civilizações adiantads. Já tem opinião formadqa e não é flexível. É inútil tentar discutir. Não defendo a pintura, que é estranha, mas mesmo que um astronauta de outro mundo chegasse aqui e se apresentasse para você, aumentando seu ego e seu “ibpoe”, você não acreditaria. Você fica com sua crença e deixe aos outros a oportunidade de buscar seus caminhos, dublê de cético.

  3. Também, esse é um site de cético. Até hoje, não comprovaram nada, também. Eu não acredito em vocês.

  4. Kentaro Mori – seria uma burrice afirmar que no vale de Fergana, não existe a referida pintura, vale lembrar que seus comentários “infâmes” distorce uma informação verdadeira.
    Mas você mesmo disse: a sim tem um astronauta e um disco voador!
    Você não é um ´cético´? aliás todo vocês acreditam em alguma coisa ou em si mesmo.
    Perda de tempo se for questionar certas amplitudes com um ser que nem se pode botar fé.

  5. Sempre vai ter um cético otário questionando coisas se baseando em apenas uma ou outra fonte, e a colocando como correta.
    Uma vez um “colega” de trabalho me disse que o livro, feito por anos de pesquisa, sobre “eram os deuses astronautas” era mentira, pois ele leu um livro acadêmico que dizia ser mentira….
    Faça-me o favor…
    Se for assim, vou terminar meu doutorado,escrever um livro falando que o Pelé nunca existiu, e daqui uns 100 anos um babaca cético vai vir e falar: “Nossa, olha o cara que escreveu, Pelé então não existiu, então é verdade, sou um cético de merda que acredita no mais fácil e não tenho argumentos para me sustentar, fazer o que!”
    Céticos = raça que não tem o que fazer, a não ser contrariar para poder encher seu ego com ilusões e afins, pois sua vida é tão miserável, que a unica coisa que resta, é tentar provar o contrario. sin. br vagabundo.

  6. tem um bando de cético aqui, ao que me parece, acreditam que nossos antepassados, os mesmos q faziam estes desenhos nas cavernas eram burros ou menos inteligentes que nós. por favor neh gente. eles eram inteligentes como nos.

  7. nossa o host tá de marcação..

    É dessa forma que muitos desenhos antigos vêm sendo reinterpretados pela “˜ufoarqueologia”™ fora de contexto como representando naves espaciais, extraterrestres em vestimentas especiais e muito mais.

    oooOOOO meu amigo. com essas reinterpretações que vc acha uma piada, ja se foi respondido muitas coisas. Po meu q isso, os caras desenharam nitidamente discos vodores.. e tem gente q diz q era um ritual de fertilidade… ahh tabom

  8. Quote:
    “tem um bando de cético aqui, ao que me parece, acreditam que nossos antepassados, os mesmos q faziam estes desenhos nas cavernas eram burros ou menos inteligentes que nós. por favor neh gente. eles eram inteligentes como nos.”

    1) O nome do site é CETICISMOaberto.com, daí os céticos;

    2) “inteligentes como nós”. Nós quem, cara-pálida ufólatra?

    Como se vê por alguns comentários acima, a ufologia não é ciência, é religião. Seus seguidores não refutam o post com argumentos mas agindo como crentes que acham que blasfemaram contra sua crença.
    Só faltaram mandar o Mori para Vênus (um verdadeiro inferno!).

  9. Pessoal vocês cairam de novo na lábia do mori, o senhor contador de histórias. O cara não tem nem moral e como disse alguns inteligentes aqui, fez uma salda de frutas, e fora ainda suas informações sofríveis, nunca esteve nesse lugar pessoalmente para confirmar suas falácias. Por ai o assunto está encerrado e se vocês quiserem acreditar em um tal kentaro mori, (que vamos ser sincero nao tem valor nenhum) pode continuar em seus sonhos e viagens. Se querem saber a verdade vão lá no local, não fiquem perdendo tempo aqui com besterol

  10. Quote de Borba:
    ” Como se vê por alguns comentários acima, a ufologia não é ciência, é religião. Seus seguidores não refutam o post com argumentos mas agindo como crentes que acham que blasfemaram contra sua crença.”

    É isso aí. Falou tudo.
    Acho engraçado que a galera não entendeu o texto. Não entendeu nada. Ele não se referia a todas as pinturas rupestres de Fergana, mas daquela reprodução especificamente, que, OBVIAMENTE, é uma farsa. Não interessa se existe essa imagem em alguma parede, pedra, caverna em Fergana, ou na parede do meu banheiro ou em outro lugar qualquer, porque, onde quer que ela tenha sido reproduzida foi com a intensão de criar uma farsa! Existe um autor pra imagem! O problema do Brasil é o analfabetismo funcional… nego lê e não entende! Quando entede algo é nada mais que a idéia principal e não pega os pormenores ou pega só os pormenores e não entende o principa. Ou não entende nada e resolve trollar assim mesmo.
    Este artigo, sim, eu gostei. Obrigado.

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