Dois anos-luz e então… ruído
Na abertura memorável do filme “Contato“, adaptação do romance de Carl Sagan, viajamos da Terra acima da velocidade luz, acompanhando assim a história reversa de nossas transmissões eletromagnéticas. Vamos das Spice Girls até as primeiras transmissões de rádio no começo do século, enquanto nos afastamos cada vez mais de nosso pálido ponto azul e vemos espaços cada vez mais vastos de bilhões e bilhões de estrelas pelo cosmos.
A cena conta com diversas licenças poéticas, como um avanço (ou retrocesso) muito rápido para as transmissões, enquanto chegamos nos limites do sistema solar, por exemplo, ouvimos sons de décadas atrás, quando Plutão não está tão longe assim. Tudo é perdoado, incluindo ““ e você deve conseguir ver se tiver uma tela grande e um DVD do filme ““ uma rápida aparição da Face em Marte quando se passa pelo planeta vermelho.
A maior licença poética, contudo, e uma que pode pegá-lo de surpresa, é a de que a cena seria impossível em tese. Não, não apenas por envolver viajar além da velocidade luz, mas porque nossas transmissões de rádio teriam um alcance muito limitado. Na prática, de apenas”¦ bem, se você leu o título deve ter adivinhado.
Dois anos-luz, para a quase totalidade de nossas transmissões. Depois disso, mesmo antenas quilométricas voltadas para nosso planeta teriam imensa dificuldade em detectar qualquer sinal inteligível. Mesmo uma antena de 3.000 quilômetros de diâmetro, com todas as correções e compensações necessárias, seria incapaz de detectar nossas transmissões de TV a uma distância de apenas 0,01 ano-luz!
Leia mais no Bitaites, e em inglês, detalhes no Astronomy FAQ ou neste artigo de Neil deGrasse Tyson.
Omicronianos fissurados em Ally McBeal são assim ficção, mas guarde este segredo com carinho. Que nossa bolha de transmissões tenha um alcance muito limitado é um alívio, que só reforça a necessidade de que escutemos com muito afinco por transmissões de nossos vizinhos.
Porque transmissões deliberadas e especialmente potentes, como algumas efetuadas mesmo de Arecibo, sim têm um alcance de centenas de anos-luz. E mesmo algumas transmissões poderosas, mas involuntárias, como radares de alta potência, também vão muito longe. E curiosamente podem ser detectados por eles algo como os sinais anômalos, mas que nunca se repetiram, que nós já detectamos.
WOW.
Mesmo sabendo (agora) da impossibilidde técnica da cena, ela continua sendo FASCINANTE E BELÃSSIMA!!
We are a way for the Cosmos to know itself…:-)
Pô, Mori, tu andas numa onda de debater arte com argumentos científicos… Não importa se é possível ou não, ou se a sincronia distância/tempo é exata. O que importa é o efeito dramático e estético da cena.
E desculpe-me a “chatice intelectual”, mas o termo “licença poética” costuma ser muito mal utilizado e o teu texto comete o mesmo erro. Linceça poética é um dispositivo dos poemas (não do cinema ou demais artes) em que se permite modificar o siginificado ou mesmo a pronúncia de uma palavra. Portanto, não pode ser aplicado em casos onde as leis da física, por assim dizer, não são seguidas ao pé da letra.
Isso faz parte, na verdade, de algo mais amplo que é a criação artística e a livre expressão cultural. Se mostra o que se imagina, o que sente. Imaginação e sentimento não podem ser colocados em debate à luz da ciência exata por serem um fenômeno cultural humano – portanto, não exato por definição. ;)
Quando tu usas o termo “licença poética”, parece que estás acusando os artisitas reponsáveis pela cena de leviandade, como se tivessem simplesmente se negado a seguir de maneira obtusa as normas científicas ao seu bel-prazer. Como disse antes, o que importa é a estética e os seus efeitos junto ao público – coisa que não é feita “à moda louca”, mas sim pensada minuciosamente. Certamente, o impacto que a cena gera no espectador não vai fazê-lo pensar que as transmissões da Terra andam naquela velocidade. Ela é poderosa demais para estas questões menos importantes.
Espero que tu entendas o que eu quis dizer. Afinal, se este é um blog científico acima de tudo, tem que se usar os termos corretos para designar os argumentos – e “licença poética” nada tem a ver com o que tu explicas, muito bem por sinal, no teu texto.
“enquanto chegamos nos limites do sistema solar, por exemplo, ouvimos sons de décadas atrás, quando Plutão não está tão longe assim.”
Nada a ver.. .Só porque a música é antiga não significa que ela não vai ser transmitida. Ou vai dizer que nenhuma emissora transmite os vídeos dos Beatles?