Por que a história humana se desenvolveu de maneira diferente em diferentes continentes nos últimos 13.000 anos?

Jared Diamond, palestra na University of California, Los Angeles, 1997
Tradução: Pedro Lourenço Gomes

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Atribuí a mim mesmo a modesta tarefa de tentar explicar o amplo padrão da história humana, em todos os continentes, durante os últimos 13.000 anos. Por que a história tomou cursos evolutivos tão diferentes para os povos de diferentes continentes? Este problema me fascina há muito tempo, mas agora está maduro para uma nova síntese por causa dos recentes avanços em muitos campos aparentemente distantes da história, que incluem a biologia molecular, a genética vegetal e animal e a biogeografia, a arqueologia, e a linguística.

Como todos sabemos, os eurasianos, especialmente os povos da Europa e da Ásia Oriental, espalharam-se por todo o globo, dominando o mundo moderno quanto a riqueza e poder. Outros povos, incluindo a maioria dos africanos, sobreviveram e se desligaram da dominação européia, mas continuam na retaguarda quanto a riqueza e poder. Outros povos ainda, incluindo os habitantes originais da Austrália, das Américas, do sul da África, não são mais senhores de sua própria terra e foram dizimados, subjugados ou exterminados pelos colonizadores europeus. Por que a história se desenvolveu desse modo, ao invés de modo reverso? Por que não foram os americanos nativos, os africanos e os aborígenes australianos aqueles que conquistaram ou exterminaram os europeus e asiáticos?

Esta grande questão pode ser um pouco adiantada. Por volta de 1500 A.D., o ano aproximado em que a expansão marítima européia estava apenas começando, os povos dos diferentes continentes já diferiam grandemente em tecnologia e organização política. Grande parte da Eurásia e do norte da África estava ocupada na época por estados e impérios da Idade do Ferro, alguns dos quais à beira da industrialização. Dois povos nativos americanos, os incas e os astecas, governavam impérios com ferramentas de pedra e estavam começando a experimentar o bronze. Partes da África subsahariana estavam divididas em pequenos estados ou tribos (chiefdoms) indígenas da Idade do Ferro. Mas todos os povos da Austrália, da Nova Guiné e das ilhas do Pacífico, e muitos povos das Américas e da África subsahariana ainda viviam como fazendeiros ou mesmo ainda como caçadores/coletores com ferramentas de pedra.

Obviamente, estas diferenças referentes ao ano de 1500 A.D. foram a causa imediata das desigualdades do mundo moderno. Impérios com ferramentas de ferro conquistaram ou exterminaram tribos com ferramentas de pedra. Mas como o mundo se desenvolveu para chegar ao que era em 1500 A.D.?

Esta questão também pode ser empurrada um pouco para trás com facilidade, com a ajuda de histórias escritas e descobertas arqueológicas. Até o final da última Idade do Gelo, mais ou menos em 11.000 A.C., todos os humanos de todos os continentes ainda viviam como caçadores/coletores da Idade da Pedra. Taxas diferentes de desenvolvimento em diferentes continentes, de 11.000 A.C. até 1500 A.D., foram aquilo que produziu as desigualdades do ano de 1500 A.D. Enquanto os aborígenes australianos e muitos povos nativos americanos permaneciam como caçadores/coletores da Idade da Pedra, a maioria dos povos eurasianos e muitos povos das Américas e da África subsahariana gradualmente desenvolveram a agricultura, a pecuária, a metalurgia e uma organização política complexa. Partes da Eurásia, e uma pequena área das Américas também desenvolveram a escrita indígena. Mas cada um destes novos desenvolvimentos apareceu antes na Eurásia do que em qualquer outro lugar.

Assim, podemos finalmente refazer nossa pergunta sobre a evolução das desigualdades do mundo moderno como se segue. Por que o desenvolvimento humano prosseguiu a taxas tão diferentes em diferentes continentes nos últimos 13.000 anos? Estas taxas diferentes constituem o mais amplo padrão histórico, o maior problema não resolvido da história, e são meu assunto agora.

Os historiadores tendem a evitar esse assunto como se fosse uma praga por causa de suas implicações aparentemente racistas. Muitas pessoas, mesmo a maior parte das pessoas, supõem que a resposta envolva diferenças biológicas em QI médio entre as populações do mundo, a despeito do fato de que não há evidências da existência de tais diferenças de QI. Até mesmo perguntar por que povos diferentes têm histórias diferentes parece malévolo para alguns de nós, porque parece estar justificando o que ocorreu na história. De fato, nós estudamos as injustiças da história pela mesma razão por que estudamos genocídios, e pela mesma razão por que psicólogos estudam as mentes de assassinos e estupradores: não para justificar a história, o genocídio, o assassinato e o estupro, mas ao invés disso para entender como estes males vêm a ocorrer e então usar esta compreensão para evitar que ocorram novamente. No caso do cheiro de racismo ainda deixá-lo pouco à vontade para explorar este assunto, apenas reflita sobre a razão básica de porque tantas pessoas aceitam explicações racistas do amplo padrão da história: nós não temos ums explicação alternativa convincente. Até que tenhamos, as pessoas continuarão a gravitar logo de início à volta de teorias racistas. Isto nos deixa com uma grande lacuna moral, que constitui a mais forte razão para se tratar deste assunto.

Vamos prosseguir continente por continente. Como nossa primeira comparação continental, vamos pensar sobre a colisão do Velho Mundo e do Novo Mundo que começou com a viagem de Colombo em 1492 A.D., porque os fatores adjacentes envolvidos no resultado são bem conhecidos. Agora vou lhe dar um resumo e uma interpretação das histórias da América do Norte, da América do Sul, da Europa e Ásia a partir de minha perspectiva como biogeógrafo e biólogo evolutivo – tudo isto em dez minutos; dois minutos por continente. Lá vamos:

Muitos de nós conhecem bem as histórias de como algumas centenas de espanhóis sob Cortés e Pizarro derrubaram os impérios inca e asteca. As populações de cada um desses impérios chegavam a dezenas de milhões. Também estamos familiarizados com os horríveis detalhes de como outros europeus conquistaram outras partes do Novo Mundo. O resultado é que os europeus vieram a colonizar e dominar a maior parte do Novo Mundo, enquanto a população de nativos americanos declinava drasticamente a partir de seu nível no ano de 1492 A.D. Por que isto ocorreu dessa maneira? Por que não ocorreu que os imperadores Montezuma ou Atahuallpa levassem os astecas ou os incas a conquistar a Europa?

As razões adjacentes são óbvias. Os europeus invasores tinham espadas de aço, canhões e cavalos, enquanto os nativos americanos tinham tinham apenas armas de pedra e de madeira, e nenhum animal que pudesse ser cavalgado. Aquelas vantagens militares permitiram repetidamente que tropas de algumas dúzias de espanhóis montados derrotassem exércitos dos nativos que chegavam aos milhares.

Entretanto, espadas de aço, canhões e cavalos não eram os únicos fatores adjacentes por trás da conquista européia do Novo Mundo. As doenças infecciosas introduzidas com os europeus, como varíola e sarampo, espalharam-se de uma tribo indígena para outra, chegando bem na frente dos próprios europeus, e mataram estimados 95% da população nativa do Novo Mundo. Estas doenças eram endêmicas na Europa, e os europeus tinham tido tempo de desenvolver resistência tanto genética quanto imune a elas, mas inicialmente os nativos não tinham tal resistência. O papel desempenhado pelas doenças infecciosas na conquista européia do Novo Mundo foi repetido em muitas outras partes do mundo, incluindo a Austrália Aborígene, o sul da África e muitas ilhas do Pacífico.

Finalmente, há ainda outro conjunto de fatores adjacentes a serem considerados. Como é que Pizarro e Cortés chegaram ao Novo Mundo, afinal, antes que os conquistadores astecas e incas pudessem alcançar a Europa? Este resultado dependeu em parte da tecnologia, sob a forma de barcos oceânicos. Os europeus tinham tais barcos, enquanto astecas e incas não tinham. Além disso, aqueles navios europeus eram sustentados pela organização política centralizada que permitiu que a Espanha e outros países europeus construíssem e equipassem estes barcos. Igualmente crucial foi o papel da escrita européia, ao permitir a rápida disseminação de informações detalhadas precisas, incluindo mapas, orientações de navegação e relatos de exploradores anteriores, para a Europa, motivando exploradores posteriores.

Até agora identificamos uma série de fatores adjacentes por trás da colonização européia do Novo Mundo: a saber, barcos, organização política e a imprensa, que trouxeram os europeus ao Novo Mundo; os germes europeus que mataram a maioria dos nativos antes que conseguissem chegar ao campo de batalha, e canhões, espadas de aço e cavalos, que deram aos europeus uma grande vantagem neste campo de batalha. Agora, vamos tentar esticar um pouco mais a cadeia de causalidade. Por que estas vantagens adjacentes estavam com o Velho Mundo, e não com o Novo Mundo? Teoricamente os nativos americanos poderiam ter sido aqueles a desenvolver espadas de aço e canhões primeiro, a desenvolver barcos oceânicos e impérios e a imprensa primeiro, a estar montados em animais domésticos mais aterrorizantes do que cavalos, ou transportar germes piores do que o da varíola.

A parte mais fácil de ser respondida desta pergunta trata das razões pelas quais a Eurásia desenvolveu os piores germes. É notável como os nativos americanos não desenvolveram doenças epidêmicas devastadoras para darem aos europeus em troca das muitas doenças epidêmicas devastadoras que receberam do Velho Mundo. Existem duas razões diretas para este grosseiro desequilíbrio. Primeiro, a maior parte das doenças epidêmicas conhecidas só podem se sustentar em grandes e densas populações humanas concentradas em aldeias e cidades, que surgiram muito antes no Velho Mundo do que no Novo Mundo. Segundo, estudos recentes sobre micróbios feitos por biólogos moleculares demonstraram que a maioria das doenças epidêmicas humanas se desenvolveram de doenças epidêmicas similares das densas populações de animais domésticos do Velho Mundo, com as quais estávamos em estreito contato. Por exemplo, o sarampo e a tuberculose se desenvolveram de doenças do nosso gado, a gripe de uma doença dos porcos, e a varíola possivelmente de uma doença dos camelos. As Américas tinham poucas espécies nativas de animais domesticados das quais os humanos pudessem adquirir tais doenças.

Agora vamos puxar de volta a cadeia de raciocínio mais um pouco. Por que havia muito mais espécies de animais domesticados na Eurásia do que nas Américas? As Américas abrigam quase mil espécies de mamíferos nativos selvagens, de modo que inicialmente você pode supor que as Américas oferecessem bastante material inicial para a domesticação.

De fato, apenas uma pequena fração de espécies de mamíferos selvagens foram domesticadas com sucesso, porque a domesticação exige que um animal selvagem preencha diversos pré-requisitos: o animal tem que ter uma dieta que os humanos possam fornecer; uma rápida taxa de crescimento; boa vontade de se reproduzir em cativeiro; uma disposição maleável, uma estrutura social que envolva comportamento submisso para com animais dominantes e humanos; e a ausência de uma tendência a entrar em pânico quando posto dentro de cercados. Há milhares de anos os seres humanos domesticaram todas as possíveis espécies grandes de mamíferos selvagens que preenchiam todos estes critérios e valiam a pena ser domesticadas, com o resultado de que não houve adições de valor de animais domésticos em épocas recentes, a despeito dos esforços da ciência moderna.

A Eurásia acabou tendo a maioria das espécies animais domesticadas em parte porque é a maior massa terrestre do mundo e a que mais oferecia espécies selvagens para um começo. Esta diferença pré-existente foi aumentada há 13.000 anos, ao final da última Idade do Gelo, quando a maior parte das grandes espécies de mamíferos das Américas do Sul e do Norte se tornaram extintas, talvez exterminadas pelos primeiros habitantes que ali chegaram. Como resultado, os nativos americanos herdaram muito menos espécies de grandes mamíferos selvagens do que os eurasianos, ficando apenas com o lhama e a alpaca para domesticação. As diferenças entre os Velho e Novo Mundos em plantas domesticadas, especialmente quanto a cereais de sementes grandes, são qualitativamente similares a estas diferenças de mamíferos domesticados, apesar da diferença não ser tão extrema.

Outra razão para uma diversidade local superior de plantas e animais domesticados na Eurásia do que nas Américas é que o eixo principal da Eurásia é de leste/oeste, ao passo que o eixo principal das Américas é de norte/sul. O eixo leste/oeste da Eurásia significou que as espécies domesticadas em uma parte da Eurásia podiam ser facilmente disseminadas por milhares de milhas na mesma latitude, encontrando a mesma duração do dia e o mesmo clima aos quais já estavam adaptadas. Como resultado, galinhas e frutas cítricas domesticadas no sudeste da Ásia espalharam-se rapidamente para o oeste, para a Europa; os cavalos domesticados na Ucrânia espalharam-se rapidamente para leste, para a China, e os carneiros, bodes, gado, trigo e centeio do Crescente Fértil rapidamente se disseminaram tanto para o leste como para o oeste.

Em contraste, o eixo norte/sul das Américas significou que espécies domesticadas em uma área não podiam se espalhar para muito longe sem encontrar duração de dia e clima aos quais não estavam adaptadas. Como resultado, o peru nunca se afastou de seu local de domesticação no México para os Andes, os lhamas e as alpacas nunca saíram dos Andes para oMéxico, de modo que as civilizações nativas das Américas Central e do Norte permaneceram completamente privadas de animais de carga, e demorou milhares de anos para que o milho que se desenvolveu no clima do México se modificasse em um milho adaptado à curta estação de crescimento e à mutante duração do dia conforme as estações da América do Norte.

As plantas e os animais domesticados da Eurásia eram importantes por diversas outras razões que não deixar o europeus desenvolverem germes mal-comportados. Plantas e animais domesticados produzem mais calorias por cada acre (NT – cada acre americano cobre uns 4.000 m2) do que os habitats selvagens, nos quais a maioria das espécies não são comestíveis para os humanos. Como resultado, as densidades populacionais de fazendeiros e criadores são tipicamente de dez a cem vezes maiores do que as dos caçadores/coletores. Apenas este fato explica porque os fazendeiros e criadores por todo o mundo foram capazes de expulsar os caçadores/coletores das terras apropriadas para a agricultura e a pecuária. Os animais domésticos revolucionaram o transporte terrestre. Também revolucionaram a agricultura, permitindo que um fazendeiro arasse e adubasse muito mais terra do que ele o poderia fazer por seu próprio esforço. Além disso, as sociedades de caçadores/coletores tendem a ser igualitárias e a não ter organização política para além do nível de um bando ou uma tribo, ao passo que os excedentes e o armazenamento de alimentos que a agricultura tornou possíveis permitiu o desenvolvimento de sociedades estratificadas e politicamente centralizadas, com elites governantes. Aqueles excedentes de alimentos também aceleraram o desenvolvimento da tecnologia, sustentando artesãos que não criavam seu próprio alimento e que ao invés podiam se devotar a desenvolver a metalurgia, a escrita, espadas e canhões.

Assim, nós começamos identificando uma série de explicações adjacentes – canhões, germes, etc. – para a conquista das Américas pelos europeus. Estes fatores adjacentes me parecem poder ser devidos em grande parte ao maior número de plantas domesticadas do Velho Mundo, ao maior número de animais domesticados e ao eixo leste/oeste. A cadeia de causalidade é muito direta na explicação das vantagens do Velho Mundo referentes a cavalos e a germes mal-comportados. Mas as plantas e os animais domesticados também levaram mais indiretamente à vantagem da Eurásia em canhões, espadas, barcos oceânicos, organização política e a escrita, todos os quais eram produto das sociedades grandes, densas, sedentárias e estratificadas possibilitadas pela agricultura.

A seguir vamos examinar se este esquema, derivado da colisão dos europeus com os nativos americanos, nos ajuda a entender o padrão mais amplo da história africana, que resumirei em cinco minutos. Vou me concentrar na história da África subsahariana, porque ela estava muito mais isolada da Eurásia pela distância e pelo clima do que a África do Norte, cuja história está estreitamente ligada à história da Eurásia. Vamos lá, novamente:

Assim como perguntamos por que Cortés invadiu o México antes que Montezuma pudesse invadir a Europa, podemos igualmente perguntar porque os europeus colonizaram a África subsahariana antes que os subsaharianos pudessem colonizar a Europa. Os fatores adjacentes foram aqueles mesmos já conhecidos, canhões, aço, barcos oceânicos, organização política e a escrita. Mas novamente podemos indagar por que canhões, barcos e tudo mais acabaram sendo desenvolvidos na Europa e não na África subsahariana. Para quem estuda a evolução humana esta questão é particularmente desconcertante, porque os humanos vinham se desenvolvendo por milhões de anos a mais na África do que na Europa, e mesmo o anatomicamente moderno Homo sapiens só pode ter alcançado a Europa a partir da África nos últimos 50.000 anos. Se o tempo fosse um fator crítico no desenvolvimento das sociedades humanas, a África teria desfrutado de uma enorme vantagem inicial sobre a Europa.

Novamente, este resultado reflete amplamente diferenças biogeográficas na disponibilidade de espécies de animais e plantas selvagens domesticáveis. Tomando os animais domésticos em primeiro lugar, é notável que o único animal domesticado dentro da África subsahariana tenha sido (você adivinhou) uma ave, a galinha d’angola (NT – "Guinea fowl", Numida meleagris). Todos os mamíferos domesticados da África – gado, ovelhas, cabras, cavalos, até mesmo os cachorros – entraram na África subsahariana através do norte, da Eurásia ou da África do Norte. A princípio isto parece espantoso, já que agora pensamos na África como o continente dos grandes mamíferos selvagens. De fato, nenhuma destas espécies dos famosos mamíferos grandes e selvagens da África comprovou ser domesticável. Todas foram desqualificadas por um problema ou outro, como: organização social insatisfatória; comportamento intratável; lenta taxa de crescimento, e etc. Pense só no que o curso da história poderia ter sido se os rinocerontes e hipopótamos africanos tivessem se prestado à domesticação! Se isto tivesse sido possível, uma cavalaria africana montada em rinocerontes ou hipopótamos teria feito picadinho da cavalaria européia montada em cavalos. Mas não pode ocorrer assim.

Ao invés, como mencionei, os rebanhos adotados na África eram espécies eurasianas que vieram do norte. O longo eixo africano, como o das Américas, é norte/sul e não leste/oeste. Aqueles mamíferos domésticos eurasianos se disseminaram para o sul muito lentamente na África, porque tinham que se adaptar a diferentes zonas climáticas e diferentes doenças de animais.

As dificuldades impostas por um eixo norte/sul para a disseminação de espécies domesticadas são ainda mais impressionantes para as plantações africanas do que para seus rebanhos. Lembre-se que os alimentos essenciais do antigo Egito eram colheitas do Crescente Fértil e do Mediterrâneo como trigo e cevada, que exigem chuvas de inverno e variações sazonais da duração dos dias para sua germinação. Estas plantações não podiam se disseminar para o sul além da Etiópia, para além da qual as chuvas vêm no verão e há pouca ou nenhuma variação sazonal da duração dos dias. Ao invés, o desenvolvimento da agricultura no Sub-Sahara teve que esperar a domesticação de espécies vegetais como o sorgo e o painço, adaptadas às chuvas de verão da África Central e a uma duração do dia relativamente constante.

Ironicamente, estas plantações da África Central foram incapazes, pela mesma razão, de se disseminarem para o sul, para a zona mediterrânea (NT – "to spread South to the Mediterranian zone of South Africa". Certamente, Diamond não está se referindo ao Mar Mediterrâneo) da África do Sul, onde mais uma vez as chuvas de inverno e as grandes variações sazonais na duração dos dias prevaleciam. O avanço para o sul dos fazendeiros africanos nativos com as plantações da África Central pararam em Natal, para além da qual as plantações centro-africanas não conseguiam se desenvolver – com enormes consequências para a história recente da África do Sul.

Em suma, um eixo norte/sul e uma escassez de espécies animais e vegetais selvagens adaptáveis à domesticação foram decisivos na história da África, assim como o foram na história nativa americana. Apesar dos nativos africanos domesticarem algumas plantas no Sahel (NT – região da África Ocidental entre o Sudão e o deserto de Sahara, onde chove apenas entre julho e outubro, numa pequena média de 5 a 20 polegadas por ano. Na estação seca sopra o vento harmattan, do Sahara, que cria uma constante névoa de fina poeira. A água permanente é rara e a vida selvagem escassa. O capim cresce apenas em pequenos tufos e a vegetação típica são arbustos com espinhos e pequenas árvores), na Etiópia e na África Ocidental tropical, eles adquiriram animais domésticos de valor apenas mais tarde, vindos do norte. As vantagens resultantes dos europeus em canhões, barcos, organização política e escrita permitiram que os europeus colonizassem a África, e não que os africanos colonizassem a Europa.

Vamos concluir agora nossa turbilhonante passagem em volta do globo devotando cinco minutos ao último continente, a Austrália. Lá vamos nós de novo, pela última vez.

Nos tempos modernos a Austrália era o único continente ainda habitado apenas por caçadores/coletores. Isto faz da Austrália um teste crítico para qualquer teoria sobre diferenças continentais na evolução das sociedades humanas. A Austrália nativa não tinha plantadores ou criadores, nem escrita, nem ferramentas de metal, e nenhuma organização política acima da tribo ou do bando. Estas, é claro, são as razões pelas quais as armas e os germes europeus destruíram a sociedade australiana aborígene. Mas por que todos os nativos australianos permaneceram caçadores/coletores?

Há três razões óbvias. Primeira, até hoje nenhuma espécie animal nativa australiana e apenas uma espécie vegetal (a noz da macadâmia) se mostrou adequada para domesticação. Ainda não existem cangurus domésticos. Segunda, a Austrália é o menor continente, e a maior parte dela só pode sustentar pequenas populações humanas, por causa de pouca chuva e baixa produtividade. Portanto, o número total de caçadores/coletores australianos era de mais ou menos 300.000. Finalmente, a Austrália é o continente mais isolado. Os únicos contatos externos dos aborígenes australianos eram tênues ligações marítimas com habitantes da Nova Guiné e da Indonésia.

Para se ter uma idéia da importância daquele pequeno tamanho populacional e isolamento com relação à velocidade do desenvolvimento na Austrália, considere a ilha australiana da Tasmânia, que teve a mais extraordinária sociedade humana do mundo moderno. A Tasmânia é apenas uma ilha de tamanho modesto, mas era a última extremidade do mais remoto continente, e isto esclarece uma grande questão da evolução de todas as sociedades humanas. A Tasmânia fica 130 milhas a sudeste da Austrália. Quando foi visitada pela primeira vez pelos europeus em 1642, a Tasmânia era ocupada por 4.000 caçadores/coletores relacionados aos australianos do continente, mas com a tecnologia mais simples do que de qualquer população recente da Terra. À diferença dos aborígenes australianos do continente, os tasmanianos não conseguiam fazer fogo; não tinham bumerangues, lanças ou escudos; não tinham armas feitas de ossos, ferramentas de pedra especializadas, e nenhuma ferramenta composta, como uma cabeça de machado montada em um cabo; eles não podiam cortar uma árvore ou escavar uma canoa; não faziam costuras para fabricar roupas, a despeito do frio inverno tasmaniano, onde neva; e, incrivelmente, apesar de viverem na maioria das vezes na costa marítima, os tasmanianos não pegavam ou comiam peixes. Como surgiram estas enormes lacunas na cultura material tasmaniana?

A resposta provém do fato de que a Tasmânia costumava ser ligada à parte sul do continente australiano na época do Pleistoceno em que havia uma nível baixo do mar, até que aquela ponte de terra foi seccionada pelo crescente nível do mar há 10.000 anos. As pessoas andavam até a Tasmânia há dezenas de milhares de anos, quando ainda era parte da Austrália. Uma vez que aquela ponte de terra foi seccionada, entretanto, não houve absolutamente nenhum contato posterior dos tasmanianos com os australianos do continente ou com qualquer outro povo da Terra até a chegada dos europeus em 1642, porque tanto os tasmanianos como os australianos do continente não tinham embarcações capazes de cruzar aquele estreito de 130 milhas entre a Tasmânia e a Austrália. A história tasmaniana é, então, um estudo do isolamento humano sem precedentes, exceto na ficção científica – a saber, isolamento completo de outros seres humanos por 10.000 anos. A Tasmânia tinha a menor e mais isolada população humana do mundo. Se o tamanho da população e seu isolamento tivessem qualquer efeito sobre a acumulação de invenções, esperaríamos ver este efeito na Tasmânia.

Se todas estas tecnologias que mencionei, ausentes da Tasmânia mas presentes no continente australiano à sua frente, foram inventadas pelos australianos nos últimos 10.000 anos, podemos pelo menos concluir com certeza que a pequena população da Tasmânia não as inventou independentemente. De modo surpreendente, os registros arqueológicos demonstram algo mais: em verdade os tasmanianos abandonaram algumas tecnologias que tinham trazido com eles da Austrália, e que persistiram no continente australiano. Por exemplo, ferramentas de ossos e a prática da pesca estavam ambas presentes na Tasmânia na época em que a ponte de terra foi seccionada, e ambas desapareceram da Tasmânia por volta de 1500 A.C. Isto representa a perda de valiosas tecnologias: os peixes poderiam ser defumados para fornecer alimento durante o inverno, e agulhas de ossos poderiam ter sido usadas para costurar roupas quentes.

Que sentido podemos tirar destas perdas culturais?

A única interpretação que faz sentido para mim é a seguinte: primeiro, a tecnologia tem que ser inventada ou adotada. As sociedades humanas variam quanto a muitos fatores independentes que afetam sua abertura para inovações. Daí, quanto maior a população humana e quanto mais sociedades existirem em uma ilha ou em um continente, maior a chance de qualquer dada invenção ser concebida e adotada em algum lugar ali.

Segundo, para todas as sociedades humanas, exceto para aquelas da totalmente isolada Tasmânia, a maior parte das inovações tecnológicas se difundem vindo do exterior, ao invés de serem inventadas localmente, de modo que se espera que a evolução da tecnologia prossiga mais rapidamente em sociedades mais estreitamente ligadas com sociedades externas.

Finalmente, a tecnologia não só tem que ser adotada; ela também tem que ser mantida. Todas as sociedades humanas passam por tendências nas quais elas ou adotam práticas de pouca utilidade ou então abandonam práticas de considerável utilidade. Sempre que tais tabus economicamente sem sentido surgem em uma área com muitas sociedades humanas rivais, apenas algumas sociedades irão adotar o tabu em uma dada época. Outras sociedades reterão a prática útil, e ou sobrepujarão as sociedades que a perderam ou então lá estarão como modelos para que as sociedades com tabus deplorem seu erro e readquiram a prática. Se os tasmanianos tivessem permanecido em contato com os australianos do continente, poderiam ter redescoberto o valor e as técnicas da pesca e da fabricação de ferramentas de ossos que haviam perdido. Mas isto não poderia acontecer no completo isolamento da Tasmânia, onde as perdas culturais se tornaram irreversíveis.

Em resumo, a mensagem das diferenças entre as sociedades da Tasmânia e da Austrália continental parece ser a seguinte: Mantendo-se todos os outros fatores iguais (NT – "All other things being equal", o conhecido ceteris paribus), a taxa de invenção humana é mais rápida, e a taxa de perda cultural é mais lenta, em áreas ocupadas por muitas sociedades rivais que tenham muitos indivíduos e que estejam em contato com sociedades de outros lugares. Se esta interpretação estiver correta, então é provável que tenha uma importância mais ampla. Provavelmente ela fornece parte da explicação de porque os nativos australianos, no menor e mais isolado continente do mundo, permaneceram caçadores/coletores da Idade da pedra, enquanto povos de outros continentes estavam adotando a agricultura e o metal. Também é provável que contribua para as diferenças que já discuti entre os fazendeiros da África subsahariana, os fazendeiros das Américas, muito maiores, e os fazendeiros da ainda maior Eurásia.

Naturalmente, há muitos fatores importantes na história do mundo que não tive tempo de discutir em 40 minutos, e que discuto em meu livro (NT – Guns, germs, and steel: the fates of human societies). Por exemplo, eu disse pouco ou nada sobre a distribuição de plantas domesticadas (três capítulos); sobre a maneira precisa como as complexas instituições políticas e o desenvolvimento da escrita, da tecnologia e da religião organizada dependem da agricultura e da pecuária; sobre as fascinantes razões para as diferenças, na Eurásia, entre a China, a Índia, o Oriente Próximo e a Europa; e sobre os efeitos dos indivíduos e das diferenças culturais, na história, que não estão relacionadas ao meio ambiente. Mas agora é hora de resumir o significado total desta viagem turbilhonante pela história humana, com seus mal-distribuídos germes e armas.

O padrão mais amplo da história – a saber, as diferenças entre as sociedades humanas em diferentes continentes – parece-me ser atribuível a diferenças entre os ambientes continentais, e não a diferenças biológicas entre os próprios povos. Em particular, a disponibilidade de espécies vegetais e animais selvagens adequadas à domesticação, e a facilidade com que estas espécies puderam se disseminar não encontrando climas inadequados, contribuiram decisivamente para as taxas variáveis de crescimento da agricultura e da pecuária, que por sua vez contribuiram decisivamente para o aumento dos números das populações humanas, das densidades populacionais e dos excedentes de alimento, que por sua vez contribuiram decisivamente para o desenvolvimento de doenças infecciosas epidêmicas, a escrita, a tecnologia e a organização política. Além disso, as histórias da Tasmânia e da Austrália nos advertem que as diferentes áreas e os diferentes isolamentos dos continentes, determinando o número de sociedades rivais, podem ter sido outro importante fator no desenvolvimento humano.

Enquanto biólogo que pratica ciência experimental em laboratório, sei que alguns cientistas podem se inclinar a descartar estas interpretações históricas como se fossem uma especulação improvável, porque elas não estão fundamentadas em experimentos replicados em laboratório. A mesma objeção pode ser levantada contra qualquer das ciências históricas, incluindo astronomia, biologia evolutiva, geologia e paleontologia. É claro que a objeção pode ser levantada contra todo o campo da história, e a maior parte do campo das ciências sociais. É por esta razão que não ficamos confortáveis ao considerarmos a história como uma ciência. Ela é classificada como uma ciência social, o que é considerado não muito científico.

Mas lembre-se que a palavra "científico" não se deriva da palavra latina para "experimento replicado em laboratório", mas ao invés, da palavra latina "scientia", para "conhecimento". Em ciência, nós procuramos o conhecimento através de quaisquer metodologias que estejam disponíveis e sejam apropriadas. Existem muitos campos que ninguém hesita em considerar como ciência, mesmo que os experimentos destes campos replicados em laboratório sejam imorais, ilegais ou impossíveis. Nós não podemos manipular algumas estrelas enquanto mantemos as outras estrelas como controles; nós não podemos iniciar e interromper idades de gelo, e não podemos fazer experimentos com projeto e desenvolvimento de dinossauros. Mesmo assim, podemos ainda obter consideráveis conhecimentos nestes campos históricos por outros meios. Então poderíamos certamente ser capazes de entender a história humana, porque a introspecção e as obras escritas preservadas nos dão muito mais conhecimento de como eram os humanos antigos do que como eram os antigos dinossauros. Por esta razão estou otimista quanto ao fato de que eventualmente poderemos chegar a explicações convincentes para estes padrões mais amplos da história humana.

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