O Último Culto à Carga
Tradução gentilmente autorizada
É pouco após o amanhecer no dia 15 de fevereiro na ilha remota de Tanna no Pacífico Sul. A umidade e o calor opressivos da estação chuvosa já estão começando, os porcos e galinhas estão se agitando, e – como em todo dia 15 de fevereiro durante os últimos 45 anos – uma das cerimônias religiosas mais estranhas do mundo está a ponto de acontecer.
A aldeia da Baía Enxofre está acordando, como faz todas as manhãs, diretamente debaixo de um vulcão ativo. O cone do Monte Yasur se ergue acima, balançando periodicamente enquanto o magma borbulha dentro de sua cratera, espalhando cinza sobre as planícies mortas em sua base como uma nevada de carbono. No lado litorâneo da aldeia está uma praia de areia preta banhada com o vapor de rios de água de uma fonte fervente, muito quente ao toque mas ideal para lavar roupas e pratos. Entre o diabo e o abismo, estão organizadas cabanas de palma e sapé totalmente diferentes de uma aldeia Melanésia: não ao redor de uma cabana central do clã ou árvore baniana, mas em forma de um grande quadrado deserto com um chão para paradas. Isto é porque a Baía Enxofre é uma de um punhado de aldeias nesta parte do mundo onde as pessoas não adoram nem o Cristo dos missionários nem praticam a religião kastom (costume) de seus antepassados, mas vivem com um deus deles mesmos: um messias de espírito conhecido como John Frum.
John Frum é o filho de Deus, mas ele não é Jesus. Ele é um Melanésio negro, mas às vezes também é um homem branco – ou, de acordo com outros, um soldado americano negro de infantaria. Ele é um messias kastom, vindo para levar as pessoas de Tanna de volta ao seu antigo modo de viver antes dos missionários – mas ele também é um avatar universal de mudança, um sucessor de Buda ou Jesus ou Maomé. Como Jesus, ele está destinado a retornar – ou, talvez, ele já esteja aqui. Ele é um deus do vulcão, com um exército dos mortos que vivem abaixo na cratera, e um espírito que se aproxima dos homens de Tanna quando eles bebem seu kava intoxicante e levam seus espíritos para comunhão com ele. Antigamente, nos dias de domínio colonial quando ele apareceu primeiro, os britânicos pensaram que ele era um dos habitantes se vestindo e espalhando tolices para fomentar uma rebelião. Eles prenderam uma sucessão de ‘encrenqueiros’, exibindo-os diante de sua comunidade para expor a enganação, mas os habitantes sabiam perfeitamente bem que John Frum não era nem esse homem ou aquele. Aparte de qualquer outra coisa, ele continuou aparecendo. Assim, adotou-se uma nova tática: qualquer um descoberto falando sobre as tolices de John Frum era levado para a cadeia em Porto Vila, a capital administrativa a mais de cem milhas de distância. Mas estes ‘cabeças de motim’ se tornaram os mártires da religião crescente, e as histórias de como John apareceu a eles na prisão fazem agora parte do cânone de tradições orais, hinos e revelações da nova religião.
Para os antropólogos, John Frum era um exemplo de um dos fenômenos mais estranhos e exóticos a ser observado em culturas tradicionais: o culto à carga. Por toda a Melanésia, da Nova Guiné às Ilhas Salomão ao arquipélago de Tanna, aos Novos Hébrides, dúzias de comunidades sem ligação, a milhares de distância e falando idiomas sem relação pareciam criar espontaneamente o mesmo conjunto de estranhas crenças. Uma nova ordem estava a caminho, quando o homem branco desapareceria das ilhas e a carga dele – bens ocidentais – seria desviada através de meios mágicos às pessoas locais, que eram seus donos legítimos.
‘Cultos à carga’ ficaram maiores durante os anos cinqüenta, embora uma vez que o fenômeno tinha sido classificado por ocidentais parecia que os começos do movimento podiam ser traçados tão antigamente quanto a década de 1890. O relato clássico foi feito pelo antropólogo australiano Peter Lawrence, que foi para o distrito de Madang na Nova Guiné em 1949 para conduzir pesquisa de campo nas relações sociais tradicionais das pessoas que, apesar do domínio colonial, ainda estavam vivendo praticamente como viviam na Idade da Pedra recente. Lawrence descobriu gradualmente que a presença dele em Madang tinha sido tecida em um extraordinário complexo de crenças. Rumores persistentes abundaram de que um navio de carga estava a ponto de chegar no ancoradouro com consignações enormes de bens para ele, e as pessoas locais lhe pediram que lhes ajudassem a supervisionar a limpeza de uma pista de pouso. Quando ele perguntou para o que era a pista de pouso, disseram-lhe que aviões de carga estavam a ponto de chegar, trazendo carne enlatada, arroz, ferramentas, tabaco e uma máquina para fazer luz elétrica. E quando ele perguntou quem estava enviando esta carga, eles responderam ‘Deus no Céu’.
A análise de Lawrence do que estava ocorrendo passou a constituir um modelo para o que parecia a ocidentais um complexo inexplicável e repetitivo de ilusões. Primeiro veio a ‘crença da carga’: a crença apocalíptica de que o mundo estava a ponto de virar de cabeça para baixo, os insulanos finalmente recebendo as recompensas materiais dos colonizadores e administradores brancos que estavam desfrutando atualmente dos frutos do trabalho do homem negro. Então, ainda mais enigmático, veio o ‘ritual da carga’: práticas religiosas novas projetadas para atrair a carga através da repetição mágica dos atos que atualmente a estavam trazendo ao homem branco. Por toda parte, insulanos estavam criando ferramentas, limpando pistas de pouso na selva, construindo imitações de mastros de rádio artificiais com bambu, examinando suas bíblias por mensagens escondidas, até mesmo se sentando educadamente bebendo o chá da tarde. Se funcionava para o homem branco, dizia a teoria, funcionaria para eles.
Por toda a região, os governos coloniais foram duros, reunindo os profetas da carga e prendendo-os. Colonos e outros comerciantes ocidentais, que cunharam o termo ‘culto à carga’, viram tudo isso como loucura que demonstrava a ignorância e superstição de sua mão-de-obra. Brancos mais liberais tentaram explicar aos habitantes locais que a carga não era produzida por magia, mas por trabalho duro e era o produto de gerações de progresso tecnológico, e o único modo pelo qual as sociedades Melanésias poderiam ficar ricas em carga era trabalhando e merecendo-a. Aos locais, o subtexto desta explicação era claro: os brancos estavam educadamente se recusando a revelar o segredo de sua carga.
Em Tanna, este segredo estava consignado a John Frum.
As várias histórias do primeiro aparecimento de John tendem a contradizer umas às outras: todas são tradições orais, aumentadas por boatos, reinterpretadas por profetas diferentes e constantemente aparadas para se ajustar à natureza da religião enquanto se desenvolveram. A versão colonial é que a ‘loucura’ começou em 1940, quando certos locais começaram a pintar suas faces de branco, usar chapéus e aparecer à noite aos seus companheiros, profetizando em vozes de falsete sobre a expulsão próxima dos brancos e a chegada de quantidades enormes de carga. A maioria das versões Tannesas explicam que John Frum tinha sido testemunhado muitos anos antes disto, mas eles o tinham mantido em segredo das autoridades já que a mensagem dele era que as pessoas precisavam retornar às suas crenças kastom que os missionários tinham proibido durante um século.
Mas em 1941 não havia nenhuma dúvida de que algo estava acontecen
do. Um ‘profeta’ chamado Manehevi da Baía Enxofre tinha sido preso e amarrado a uma árvore durante um dia pela administração colonial, pour encourager les autres, mas John Frum continuou a aparecer. Testemunhas subseqüentes tinham sido deportadas e encarceradas. Então, grandes notícias: uma enorme divisão de tropas americanas tinha chegado na ilha vizinha de Santo. Não só estes americanos trouxeram quantidade de carga nunca vista antes – armas, tanques, barcos, comida, remédios – mas um número considerável deles eram negros. Os séculos de simetria inquebrável entre estrangeiros (brancos, ricos) e habitantes locais (negros, pobres) tinham sido quebrados, e os soldados de infantaria negros eram variadamente interpretados como descendentes de insulanos que haviam sido seqüestrados por donos de plantations no passado, ou como a própria divisão de John Frum do exército dos EUA. O fervor messiânico tomou conta da Baía Enxofre, e em uma manhã de domingo o novo movimento apareceu publicamente em um ato aberto de desobediência civil que lançou ondas de choque na comunidade branca. A freqüência compulsória na igreja presbiteriana foi universalmente ignorada; ao invés, um grupo de habitantes locais entrou solenemente no posto de comércio dos brancos e cuidadosamente removeu todos rótulos de preço das mercadorias.
O efeito desta surrealista revolta foi mudar das táticas coloniais de tirania a uma tentativa já atrasada de educação. Oficiais americanos foram destacados para explicar que John Frum não tinha nada a ver com o exército americano, e que se eles quisessem carga teriam que trabalhar para isto. Os habitantes não se impressionaram, e a formação para o Dia do Julgamento se acelerou. Em uma repetição de um ritual que se gerou espontaneamente dúzias de vezes pela região, os ‘cultistas’ de John Frum começaram a destruir todas suas posses ocidentais, lançando seu dinheiro ganhado a muito custo no mar. Este tema comum do ‘ritual da carga’ poderia ser visto talvez como um ato de fé e preparação para a nova ordem (John Frum traria dinheiro novo, com um coco estampado nele), ou como uma adaptação do tradicional sistema potlatch da cultura Melanésia onde tal sacrifício deixa seus companheiros, e por extensão o mundo, em dívida com você. Mas por mais oblíquo que seja o motivo, seu efeito como um gesto de resistência era total. Se os nativos estavam destruindo seu dinheiro, nem mesmo o colonizador mais teimoso pode ignorar a mensagem de que perdeu o controle de sua mão-de-obra.
A crise gradualmente acabou em um final inconclusivo: John Frum não chegou com a carga prometida, mas os Tanneses também não voltaram às igrejas ou escolas missionárias. Na Baía Enxofre e aldeias circunvizinhas, o Sabá migrou para a sexta-feira, dia no qual John Frum era celebrado com cantos, danças e bebida de kava, uma inversão alegre do duro passado presbiteriano. O movimento gradualmente se manifestou com a restituição de várias práticas kastom, que a administração não teve escolha e passou a tolerar. Finalmente, no dia 15 de fevereiro de 1957, uma bandeira americana foi cerimonialmente hasteada oficialmente na Baía Enxofre e a nova religião anunciada ao mundo externo.
Este hastear ainda forma a peça cerimonial central do Dia John Frum. Logo após o amanhecer, o dia é santificado com um serviço: cem pessoas se aglomeram em uma cabana pequena na extremidade do terreno para a parada e cantam alguns dos hinos de John Frum que foram ‘canalizados’ durante os anos, alguns deles milagrosamente em línguas desconhecidas ao receptor. Estes têm uma qualidade que lembra suas raízes presbiterianas, mas a cerimônia é claramente não-cristã: os participantes, com os dedos erguidos, colocam cada um uma flor no santuário no clímax do serviço. Enquanto os hinos são cantados em uma quase escuridão, o resto da aldeia continua suas rotinas matutinas normais: porcos andam por aí, as mulheres lavam roupas nas fontes termais, os homens se reúnem em grupos pequenos debaixo das árvores, a loja da aldeia abre para exibir sua mercadoria de sardinhas enlatadas, Omo e shorts de nylon usados.
Lentamente, um barulho de atividade começa a se formar ao redor do ‘Quartel General’, uma cabana de ferro corrugado no lado oposto do terreno da parada da cabana de serviço. Os anciãos de John Frum emergem vestidos em velhos uniformes do exército dos EUA, algumas ostentando medalhas esportivas e uma ordem de remendos costurados, tudo indo de logotipos do Greenpeace a estrelas de beisebol americanas. Um par deles é apontado para mim como os filhos e netos dos profetas originais de John Frum. O QG não é apenas o centro de comando para a Baía Enxofre, mas para toda a religião, o modesto Vaticano do movimento John Frum. É um domínio exclusivo para homens estritamente supervisionado, em linha tanto com a tradição kastom da cabanas de clãs masculinos e as sociedades secretas iniciáticas apenas para homens que tomam várias formas pelas ilhas. Por conseguinte é um mistério o que de fato ocorre lá – embora um viajante inglês com o qual eu falei tenha afirmado ter dado uma espiada rápida dentro e visto os anciões agrupados em volta de um vídeo e televisão, funcionando com o painel solar da aldeia e passando Os Cavaleiros da Távola Redonda com legendas em francês.
Uma multidão se agrupa, os chefes gradualmente se organizam em uma formação de parada e duas bandeiras são trazidas do QG. Uma é uma antiga, de faixas e estrelas dos EUA, a outra a bandeira de Vanuatu ocupada, o movimento de resistência que conduziu a nação a sua independência em 1980. Três dos anciões processam lentamente ao mastro, e as bandeiras são hasteadas e saudadas em um fac-símile fiel da cerimônia militar americana. O resto dos anciões estava imóvel na parada, esperando a próxima fase do ritual: o Exército de John Frum.
Da selva sobre a aldeia, o exército aparece: mais ou menos 40 dos homens mais jovens, em calças jeans e torsos nus com ‘USA’ pintado em seus peitos e costas com marcadores mágicos rosa. Cada um carrega um ‘rifle’ feito de bambu, uma vara longa com sua ponta afiada e pintada de vermelho, com a qual eles apresentam armas diante dos anciões. Eles marcham sobre o chão da parada onde um segundo conjunto de bandeiras é hasteado: a insígnia dos fuzileiros dos EUA e a bandeira do estado da Geórgia. Os anciões colocaram o exército em seu passo com gritos e apitos, fazendo-os marchar de um lado para o outro debaixo do sol agora escaldante e a plumagem de vapor do vulcão, cada um gritava um comando para virar aplaudido entusiasticamente pela multidão. Parte treinamento militar, parte dança kastom, é uma performance como nenhuma outra, mexendo genuinamente com os insulanos e visitantes.
Eventualmente o Exército marcha de volta à selva, mas os anciões permanecem na parada e chamam o resto da aldeia para executar mais danças kastom. Trupes de aproximadamente uma dúzia de homens jovens e mulheres dançam em círculos, ordenados pelos apitos dos chefes e acompanhados por violões. O Exército retorna com barulho, conversando e sorrindo orgulhosamente, completando os slogans de USA em seus peitos com enfeites e serpentinas e se juntando à dança de forma livre. O dia se torna gradualmente no kastom tradicional de divertimento com danças, cantos e a refeição lap-lap de mingau de aveia.
Entre os espectadores está o Ministro de Saúde de Vanuatu, que é o membro local do parlamento e um defensor apaixonado e articulado do movimento de John Frum. Ele poderia estar em uma convenção no Japão hoje, discutindo a entrada de paraísos fiscais do Pacífico como Vanuatu em uma lista negra (patrocinada por americanos), mas no dia 15 de fevereiro não há lugar mais importa
nte para ele que a Baía Enxofre. "O Movimento John Frum eram um dos primeiros heróis do movimento de independência", ele explica. "Elas foram as primeiras pessoas a falar contra o domínio colonial. A mensagem de John Frum era que nós deveríamos voltar aos modos kastom, para manter nossa própria identidade".
Esta é uma visão que observadores externos começaram a desenvolver durante os anos sessenta, enquanto o interesse em culturas tradicionais e a luta anti-colonial cresceu. David Attenborough, visitando a Baía Enxofre em 1960 para sua série de TV Quest in Paradise, podia descartar John Frum como um "culto sinistro", "pateticamente infantil", e não mais que um "ato de desafio à missão", mas a próxima geração de antropólogos começou a interpretar isto como uma resposta para uma luta mais ampla. A história de contato branco tinha sido, para os Tanneses, constantemente dura: os exploradores assassinos e aventureiros, seguidos pelos traficantes de escravos e comerciantes de sândalo, seguidos em troca por seqüestradores que raptavam os insulanos para trabalhar nos canaviais de Queensland e missionários presbiterianos que proibiram a dança, kava, vestimento e ritual tradicionais, aplicando suas proibições com mão de ferro que gradualmente se desenvolveu em administração colonial. Ao longo desta história os insulanos, povos discrepantes falando línguas sem conexão, não tinham nenhum idioma ou estrutura para formar uma identidade de grupo e nenhum sistema de crenças compartilhado que poderia operar como base para uma coalizão. Até mesmo suas religiões não tinham nenhum nome até que o termo misto kastom foi cunhado para descrevê-las. ‘Cultos à carga’, pelo Pacífico Sul começaram a ser reinterpretados no ocidente como o primeiro estágio evolutivo de sindicatos, movimentos separatistas e lobbies para reforma democrática e política.
Mas esta visão de John Frum como um avatar de independência política é compartilhada por poucos insulanos fora do Movimento. Todo mundo com quem falei no resto de Vanuatu parecia compartilhar a visão que o Ministro imputou à antiga ordem colonial: que John Frum é algo embaraçoso para os de mente progressista e politicamente engajados em Vanuatu. "Isto é da época de nossos avôs", uma pessoa me contou, "antes que nós entendêssemos como funciona a política, e como adquirir independência por nós mesmos". A visão de David Attenborough de nativos supersticiosos esperando desesperadamente por sua carga permanece a percepção da maioria dos outros insulanos. "John Frum era apenas um soldado negro da infantaria americana", outro me falou. "Mas você não pode dizer isto para o pessoal de John Frum. Você não pode lhes dizer que ele não era um deus".
Mas a acusação de que John Frum é um culto à carga é uma para a qual o Ministro de Saúde tem uma resposta robusta. Ele não só insiste que John Frum já não é um culto à carga, mas que nunca foi. "Nós Tanneses sabíamos sobre Deus antes dos missionários chegarem. É claro que sabíamos que havia um criador que fez tudo isso. Mas os brancos nunca poderiam entender que podia haver uma revelação para o homem negro, um messias para o homem de Tanna. Eles só podiam imaginar que devia se sobre seus bens de consumo. Carga não é nossa obsessão, é a obsessão do homem branco". E as bandeiras americanas, a parada que nós há pouco testemunhamos? "Isto não é sobre esperar pela carga vir da América. Esta é uma lembrança de nossa história. Os americanos nos ajudaram, eles livraram nossos líderes das prisões coloniais". É verdade que o Exército dos EUA os tratou muito melhor que os dominadores coloniais, pagando muito mais que o salário padrão e liberando a ajuda da Cruz Vermelha, mas a natureza da aliança entre o Movimento John Frum e os Fuzileiros é menos que claro. Este sendo o século 21, o Ministro de Saúde pretende esclarecer as coisas em um futuro próximo no website do governo de Vanuatu.
Nem os mais jovens membros do movimento John Frum são atrasados ou insulares em sua visão da religião. "Deus apareceu às pessoas de Tanna na forma de John Frum", um deles me diz, "Da mesma maneira que ele apareceu aos judeus como Jesus e para os indianos como Buda. É a mesma mensagem, a mesma revelação. Nossa luta colonial aconteceu por todo o mundo, por todas as culturas diferentes. John Frum é o messias de todos nós que tivemos a mesma luta".
Mas esta abordagem ecumênica no Movimento realça o que é talvez seu mistério central: por que aqui? No mundo inteiro, kastom e cristianismo entraram em conflito. Em centenas de culturas, o cristianismo se enredou com a religião antiga, produzindo versões às vezes tão idiossincráticas a ponto de serem quase irreconhecíveis. Em dúzias de culturas, também, a opressão do Cristianismo foi combatida e os modos kastom retornaram. Mas onde mais além de Tanna a colisão produziu uma terceira entidade, uma religião completamente nova, com seu próprio messias indígena kastom?
As tensões destas uniões e contradições freqüentemente apareceram ao longo da história do movimento John Frum, e seus vários profetas raramente cantaram do mesmo livro de hinos. John foi negro e branco, homem e espírito, tannês e americano. A carga foi iminente para alguns, uma metáfora para outros. Mas este ano viu um cisma em uma escala maior que qualquer outro, um que dividiu a aldeia da Baía Enxofre em duas. Um de seus chefes, Isacwon, se mudou meia milha para cima na floresta, levando algumas dúzias de famílias com ele. A aldeia deles, agora com seis meses, parece bem estabelecida e seu primeiro Dia John Frum se acha decorado com flores e enfeites. Mas não tem nenhum terreno de parada central e nenhuma marcha do exército de John Frum: sua celebração é um retorno ao kastom da época anterior aos missionários.
É difícil fazer qualquer um falar sobre a divisão além de assegurar os estrangeiros de que as razões para isto não são politicamente sérias. É doutrinal, uma questão de ênfase espiritual, talvez só um caso de conflito de profetas. Algumas das pessoas mais velhas alegam não ter nenhuma idéia de por que Isacwon se separou da aldeia. Mas a cortesia claramente esconde uma rivalidade profunda, e a linha de divisão pode ser discernida de um ou outro comentário ocasional. Na aldeia nova contam para mim que ninguém está interessado na cerimônia de parada e hasteamento de bandeira, é "apenas para os turistas" – uma afirmação estranha dado que os únicos estrangeiros são eu e um par de jornalistas do Sydney Morning Herald. Na própria Baía Enxofre o sentimento é de que a aldeia nova perdeu as tradições rituais e cerimoniais – "tudo que eles estão fazendo lá em cima é comer lap-lap". A aldeia nova decidiu romper com o ritual de carga do passado, e volta ao puro e simples kastom? Seja qual for o final da disputa atual, parece que o Último Culto à Carga está longe de seu fim, e continuará a dançar ao ritmo de seu próprio tambor sem igual.
– – –