O Bando do Tear de Ar: James Tilly Matthews e sua loucura visionária

Mike Jay, autor do livro The Air Loom Gang
Texto em nthposition, tradução gentilmente autorizada

Havia duas grandes razões por que, em 1810, o farmacêutico residente no Royal Bethlem Hospital – Bedlam – escreveu o primeiro relatório psiquiátrico em extensão da história sobre as ilusões de um paciente louco. Uma era profissional: as ilusões em questão eram as mais incomuns e sistemáticas já vistas por qualquer pessoa. A outra era um tanto mais pessoal: o farmacêutico, John Haslam, estava determinado a provar, contra muitas opiniões contrárias, que o paciente estava realmente louco, e ao mesmo tempo que ele era o modelo para uma nova categoria especial de médicos.
O nome de seu paciente era James Tilly Matthews, e sua visão do mundo tinha a essa altura se tornado uma das mais estranhas já registradas nos anais da psiquiatria. O relato de Haslam ainda é reconhecido como o primeiro exemplo na história da noção agora familiar do controle da mente por uma ‘máquina de influência’. Para todos os que desde então receberam mensagens transmitidas por implantes misteriosos ou aparelhos de TV, ou por vigilância hi-tech, MI5, lojas maçônicas ou OVNIs, James Tilly Matthews é o Paciente Zero.
Matthews estava convencido de que em algum lugar fora de Bedlam, em um porão através da London Wall, um bando de vilões estava controlando e atormentando a mente dele com raios diabólicos. Eles estavam usando uma máquina chamada de ‘Tear de Ar’, sobre a qual Matthews pôde desenhar diagramas técnicos imaculados e que combinava recentes desenvolvimentos em química de gases com a estranha força do magnetismo animal, ou mesmerismo. Ela incorporava alavancas, barris, baterias, velas, frascos de metal e fluido magnético, e funcionava dirigindo e modulando correntes de ar magneticamente moduladas, mais ou menos como um órgão modula seus tons. Era movida por uma mistura de substâncias desagradáveis, incluindo ‘raios espermático-animal-seminais’, ‘eflúvia de cachorros’ e ‘respiração humana pútrida’, e suas descargas de fluido magnético estavam focadas em transmitir pensamentos, emoções e sensações diretamente ao cérebro de Matthews. Havia muitos destes conjuntos de controle da mente, todos classificados por nomes vívidos: ‘travamento de fluido’, ‘fabricação de pedra’, ‘quebra de lagosta’, ‘estouro de bomba’ e o temível ‘ditado ao cérebro’, pelo qual pensamentos eram forçados no cérebro dele contra sua vontade. Para facilitar este processo o bando havia implantado um ímã em sua cabeça. Como resultado do Tear de Ar, Matthews era constantemente atormentado por ilusões, agonias físicas, acessos de risada e era forçado a tagarelar qualquer tolice que eles escolhessem transmitir para dentro de sua cabeça. Não é surpresa que algumas pessoas pensassem que ele estava louco.

O Tear de Ar estava sendo mantido por um bando de revolucionários Jacobinos, inclinados a forçar a Inglaterra para uma guerra desastrosa com a França Revolucionária. Estes personagens Matthews também podia descrever com assombrosa precisão. Eram liderados pelo controlador chamado ‘Bill o Rei’; todos os detalhes eram registrados pelo segundo-em-comando, ‘Jack o Professor’. A ligação francesa era realizada por uma mulher chamada Charlotte, que parecia a Matthews ser uma prisioneira como ele mesmo, e que era freqüentemente acorrentada seminua. ‘Sir Archy’ era uma mulher que se vestia como um homem e falava em obscenidades; a própria máquina era operada pela sinistra, bexigosa e sem nome ‘Mulher Luva’. Se Matthews visse quaisquer destes personagens na rua, eles agarrariam bastões de metal magnético que os fariam desaparecer.


Gravura do Tear de Ar. De ‘Illustrations of Madness’

Mas toda essa atividade não estava dirigida somente a Matthews. Havia muitos bandos de Tear Aéreo por toda parte em Londres, influenciando as mentes de políticos e figuras públicas, com um controle particularmente firme do Primeiro-ministro, William Pitt. Eles estavam espreitando nas ruas, teatros e cafés onde enganavam os incautos a inalar o fluido magnético que os colocaria sob o controle do Tear Aéreo. Envenenando as mentes de políticos em ambos os lados do Canal com ‘ditados cerebrais’ paranóicos, eles ameaçavam uma catástrofe nacional internacional.
Matthews tinha sido internado originalmente em Bedlam depois de se levantar na galeria pública do Câmara dos Comuns e acusar o Secretário da Casa, Lorde Liverpool, de traição. Quando examinado, ele insistiu que tinha estado envolvido em negociações de paz ultra secretas entre os governos britânico e francês, mas tinha sido traído pela administração Pitt e deixado para apodrecer em um calabouço de Paris. Na ocasião, a narrativa rocambolesca de plano, contra-plano e conspiração tinham sido vistas como um sintoma de sua loucura grandiosa. Mas muito dela era verdade.
Matthews havia sido um próspero mercador de chá, originalmente de Gales, que tinha simpatias Republicanas fortes e depois da Revolução francesa começou a viajar entre Londres e Paris como um autodesignado pacificador, tentando impedir a guerra iminente entre França e Inglaterra. Inicialmente, ele teve sucesso espetacular persuadindo a facção Republicana moderada de que a Inglaterra estaria melhor em paz que em guerra com uma nação francesa estável e constitucional, e se reuniu várias vezes com Pitt, Lorde Liverpool e outros para tentar avançar a eles sua proposta secreta. Mas os líderes moderados com quem Matthews estava negociando haviam perdido poder para os Jacobinos de linha-dura, e Matthews tinha sido preso por suspeita de ser um agente duplo inglês. Ele foi encarcerado durante três anos durante o ápice do Terror; quando foi libertado e voltou à Inglaterra, e começou a acusar o gabinete de lavar as mãos sobre ele, eles negaram qualquer conhecimento sobre sua missão.
Assim Matthews pode ter alucinado, mas suas teorias de conspiração selvagens continham mais que um grão de verdade. Além disso, quando não estava sob ataque do Tear de Ar, ele parecia ser extremamente lúcido e articulado. Certamente sua família não acreditou que ele estava louco; a visão deles era que ele era um homem agradável, um pacificador que tinha se tornado excêntrico como resultado de seus infortúnios e havia desenvolvido visões excêntricas sobre a política. Mas John Haslam, o supervisor de Matthews em Bedlam, tinha opiniões fortes sobre a natureza da insanidade. Como ele declarou em seu livro sobre Matthews, Ilustrações da Loucura, "A loucura sendo o oposto da razão e bom-senso, como a luz é com a escuridão, o retilíneo é com o curvo, parece incrível que duas opiniões opostas pudessem ser mantidas no assunto". Matthews estava louco, e qualquer um que defendesse o contrário era um perigo à profissão médica.
Algo da obstinação de Haslam pode ser talvez devida ao fato de que Bedlam mesmo era, na ocasião, uma instituição bastante excêntrica. Além de Haslam, havia um médico residente, Dr Thomas Monro, que aparecia aproximadamente uma vez por mês, e um cirurgião, Bryan Crowther, cuja paixão era dissecar os cérebros de lunáticos e que acabou ele mesmo desabando terminalmente ao alcoolismo e loucura ao ponto onde ‘ele era tão insano que tinha sua camisa-de-força’. Isto deixou Haslam como o único bastião da sanidade, lidando diariamente com Ma
tthews.
Os poderes recentemente concedidos ao sistema de hospícios de conter e prender os loucos veio a um preço: eles precisavam demonstrar que seus pacientes seriam um perigo ao público se fossem soltos. Haslam não mantinha nenhuma dúvida de que Matthews era perigoso: ele tinha molestado o Lorde Liverpool e, em todo caso, "já há muitos maníacos que podem desfrutar de uma liberdade perigosa". Mas a família de Matthews persistiu com o caso de que ele era apenas uma alma gentil maltratada, e além disso que ele havia aprendido a controlar sua excentricidade em público. Em 1809 eles arranjaram para que dois médicos de Londres, Henry Clutterbuck e George Birkbeck, examinassem Matthews independentemente. Ambos concluíram que ele estava são, e que os sintomas alegados de loucura – hostilidade à autoridade e insistência de que conspiravam contra ele – eram igualmente compreensíveis como a resposta de um homem são injustamente confinado.
Com base neste testemunho, a família de Matthews trouxe uma ordem de Habeas Corpus contra Bedlam, forçando os governadores a declarar as razões legais precisas para mantê-lo preso. Eles produziram uma pilha de atestados de outros médicos que contradiziam o testemunho de Clutterbuck e Birkbeck, mas o caso eventualmente se dirigiu a uma carta do Lorde Liverpool que insistiu que Matthews era um lunático perigoso que deveria ser encarcerado perpetuamente. Assim a ordem falhou, mas com bases que sugeriam que a loucura alegada de Matthews era irrelevante: ele era efetivamente, embora aparentemente inconstitucionalmente, mantido confinado como um prisioneiro do estado.
Era a ambigüidade deste veredicto que transformou a insistência de Haslam de que Matthews era louco em uma vendeta pessoal. Seu livro começava com um ataque violento a Clutterbuck e Birkbeck: eles não eram psiquiatras, tinham apenas examinado Matthews brevemente em lugar de viver com ele durante anos, e que "como eles não descobriram a loucura dele é inexplicável". Em jogo nisto estava não apenas a reputação pessoal de Haslam, mas a de Bedlam e, no final das contas, toda a questão do papel da profissão médica em tratar os loucos. A estratégia de Haslam era simplesmente detalhar a loucura de Matthews em uma extensão sem precedentes e permitir que ela falasse por si mesma. Além de escrever Ilustrações da Loucura, ele tomou posse de longos escritos de Matthews como evidência, incluindo um manuscrito de 1804 em que ele se chamava de "James, Absoluto Único e Sagrado Omni Império Arqui Grande Arqui Soberano Omni Império Arqui Grande Arqui Proprietário Omni Império Arqui-Grande-Arqui-Imperador Supremo", e oferecendo milhões de libras em recompensas para toda nação na terra pela captura do Bando do Tear de Ar. Nisto, Haslam deve ter pensado, ele poderia sustentar seu caso.
Mas enquanto Haslam estava acumulando estas condenadoras ilustrações da loucura de Matthews, Matthews estava dedicado a ilustrar sua própria sanidade. Ele aprendeu desenho e gravura arquitetônica, e desenhou planos talentosos para um novo prédio em Bedlam que impressionou tanto aos governadores que eles lhe pagaram £30 em reconhecimento a seu ‘trabalho e habilidades’. Em 1814 ele foi movido para um asilo privado mais adequado, a London House de Fox em Hackney, onde se tornou um interno muito amado e confiado. O Dr Fox o considerou completamente são, e ele ajudou com a contabilidade, jardinagem e administração da Casa até sua morte em 1815.
Mas a morte de Matthews não era o fim da saga. Um Comitê da Câmara dos Comuns, montado em 1815 para investigar reclamações de má conduta em Bedlam, trouxe o caso dele de volta da sepultura. Várias pessoas testemunharam que Haslam tinha sido tão frustrado pela recusa de Matthews em aceitar a própria loucura e a autoridade do doutor que ele o tinha acorrentado em castigo – uma prática que tinha se tornado emblemática dos maus e velhos dias do hospício, e a qual Haslam havia especificamente criticado em seus próprios livros. Outros membros da equipe testemunharam que Matthews tinha sido um excêntrico inofensivo e talentoso, e a perseguição de Haslam a ele tinha sido irracional e sádica. Quando o relatório do Comitê foi publicado em 1816, John Haslam foi despedido pelos governadores de Bedlam.
A carreira dele estava arruinada. Ele vendeu tudo o que possuía, obstinadamente estudou novamente como um médico e finalmente se qualificou como um médico completo com a idade de sessenta anos. Mas o caso de Matthews parece ter destruído sua convicção de que os loucos podiam ser infalivelmente distinguidos dos sãos. Em sua velhice, ele apareceu como uma testemunha forense em um caso de tribunal, e foi perguntado se o acusado era de mente sã. Sua resposta foi: "Eu nunca vi qualquer ser humano que fosse de mente sã". Quando pressionado nesta opinião, ele simplesmente adicionou: "Eu presumo que a Deidade é de mente sã, e só Ela".

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