De olhos vendados pelas fantasias
versão online na Sociedade dos Cientistas Mortos
Temos um apetite por maravilhas, um apetite poético que a verdadeira ciência devia estar satisfazendo, mas que está sendo saqueado, freqüentemente por causa de ganhos monetários, pelos que fornecem a superstição, o paranormal e a astrologia. Frases retumbantes como “a Quarta Casa da Era de Aquário” ou “Netuno começou a retrogradar e entrou em Sagitário” criam um contexto romanesco e falso que, para os ingênuos e impressionáveis, é quase indistinguível da autêntica poesia científica: “O universo é mais pródigo do que imaginamos”, por exemplo, de Shadows of Forgotten Ancestors, de Carl Sagan e Ann Druyan (1992); ou, do mesmo livro (depois de descobrir como o sistema solar se condensou a partir de um disco giratório), “O disco se ondula com futuros possíveis”. Noutro livro, Carl Sagan observou:
Como é que nenhuma das grandes religiões considerou a ciência e concluiu: “Isto é melhor do que imaginávamos! O universo é muito maior do que afirmavam os nossos profetas, mais grandioso, mais sutil, mais elegante”? Em vez disso, elas dizem: “Não, não, não! O meu deus é um deus pequeno, e quero que ele continue a ser assim”. Uma religião, velha ou nova, que enfatizasse a magnificência do universo revelada pela ciência moderna poderia ser capaz de suscitar reservas de reverência e admiração dificilmente aproveitadas pelas crenças convencionais. (Pálido ponto azul, 1995)
Na medida em que as religiões tradicionais estão em declínio no Ocidente, o seu lugar não parece ser preenchido pela ciência, com sua visão perspicaz e mais grandiosa do cosmo, e sim pelo paranormal e pela astrologia. Seria de esperar que, no final deste século XX, que é o mais bem-sucedido de todos em termos científicos, a ciência houvesse sido incorporada em nossa cultura e o nosso senso estético houvesse se elevado para estar à altura de sua poesia. Sem reviver o pessimismo de C. P. Snow da metade do século, acredito relutantemente que essas esperanças não se concretizaram. Os livros de astrologia vendem muito mais que os de astronomia. A televisão corre a abrir as portas para ilusionistas de segunda categoria que se disfarçam de médiuns e videntes. Este capítulo examina a superstição e a credulidade, tentando explicá-las, e a facilidade com que podem ser exploradas. O capítulo 7 recomenda o simples pensamento estatístico como um antídoto para a doença paranormal. Começamos com a astrologia.
No dia 27 de dezembro de 1997, um dos jornais nacionais de maior circulação na Grã-Bretanha, o Daily Mail, dedicou a sua reportagem de capa à astrologia, sob a manchete “1998: a aurora de Aquário”. O leitor se sente quase agradecido quando o artigo concede que o cometa Hale Bopp não foi a causa direta da morte da princesa Diana. O astrólogo regiamente pago nos informa que “o poderoso e lento Netuno” está prestes a reunir “forças” com o igualmente poderoso Urano quando entrar em Aquário. Isso terá conseqüências dramáticas:
[…] o Sol está nascendo. E o cometa veio nos lembrar que este Sol não é um Sol físico, mas um Sol espiritual, psíquico, interior. Portanto, ele não tem de obedecer à lei da gravidade. Pode aparecer sobre o horizonte mais rapidamente, se muitas pessoas se levantarem para saudá-lo e encorajá-lo. E pode dissipar a escuridão no momento em que aparecer.
Como é que as pessoas podem achar atraente esse mingau sem sentido, especialmente diante do universo real revelado pela astronomia?
Numa noite sem luar, quando “as estrelas parecem muito frias no céu”, e as únicas nuvens a serem vistas são as manchas brilhantes da Via Láctea, vá para um lugar longe da poluição luminosa das ruas, deite sobre a grama e contemple o céu. Você irá notar superficialmente as constelações, mas o padrão de uma constelação não significa mais do que uma mancha de umidade no teto do banheiro. Note, assim, que pouco significa dizer algo semelhante a “Netuno entra em Aquário”. Aquário é uma miscelânea de estrelas, todas a diferentes distâncias de nós, sem conexão umas com as outras, exceto o fato de constituírem um padrão (sem sentido) quando vistas de um certo lugar (não particularmente especial) na galáxia (aqui). Uma constelação não é absolutamente uma entidade, por isso não é algo em que se possa sensatamente dizer que Netuno, ou qualquer outra coisa, esteja “entrando”.
Além do mais, a forma de uma constelação é efêmera. Há 1 milhão de anos, os nossos antepassados Homo erectus contemplavam à noite (não havia poluição luminosa então, a menos que viesse da brilhante inovação daquela espécie, o fogo do acampamento) um conjunto de constelações muito diferentes. Daqui a 1 milhão de anos, os nossos descendentes vão ver ainda outras formas no céu, e já sabemos exatamente como elas serão. Esse é o tipo de predição detalhada que os astrônomos, mas não os astrólogos, podem fazer. E – de novo em contraste com as predições astrológicas – ela será correta.
Devido à velocidade finita da luz, quando olhamos para a grande galáxia em Andrômeda, nós a vemos como era há 2,3 milhões de anos, quando o Australopithecus andava pelas altas savanas. O nosso olhar retrocede no tempo. Se movemos os olhos alguns graus para a estrela brilhante mais próxima na constelação de Andrômeda, contemplamos Mirach, porém muito mais recentemente, como ela era quando Wall Street quebrou. Quando observamos a cor e a forma do Sol, ele se acha num passado de apenas oito minutos atrás. Contudo, se apontarmos um grande telescópio para a galáxia Sombrero, contemplaremos 1 trilhão de sóis, assim como eram quando nossos antepassados de rabo espiavam medrosamente o firmamento, e a Ãndia colidiu com a Ásia para erguer os Himalaias. Uma colisão em escala maior, entre duas galáxias no Quinteto de Stephan, é exibida para nós numa época em que na Terra os dinossauros estavam começando a nascer e os trilobites haviam recém-desaparecido.
Se você considerar qualquer acontecimento na história, vai encontrar uma estrela no céu cuja luz lhe dá um vislumbre de algo que estava se passando durante o ano daquele acontecimento. Desde que você não seja uma criança muito pequena, em algum lugar no alto do céu noturno vai poder encontrar a estrela do seu nascimento. A sua luz é um brilho termonuclear que anuncia o ano do seu nascimento. Na verdade, você pode encontrar muitas dessas estrelas (cerca de quarenta, se você tem quarenta anos; umas setenta, se tem cinqüenta anos; cerca de 175, se tem oitenta anos). Quando você contempla uma das estrelas do seu ano de nascimento, o seu telescópio é uma máquina do tempo que lhe permite testemunhar eventos termonucleares que estão realmente ocorrendo durante o ano em que você nasceu. Uma vaidade agradável, nada mais. A sua estrela natal não vai se dignar a lhe dizer qualquer coisa sobre a sua personalidade, o seu futuro ou as suas compatibilidades sexuais. As estrelas têm agendas mais amplas em que não figuram as preocupações da pequenez humana.
Claro, a sua estrela natal é sua apenas por este ano. No próximo ano, você deve contemplar a superficie de uma esfera maior que se encontra um ano-luz mais distante. Pense nessa esfera em expansão como um raio de boas notícias, a notícia de seu nascimento sendo irradiada cada vez para mais longe. No universo einsteiniano em que a maioria dos fisicos pensa que vivemos, nada pode em princípio viajar mais rápido que a luz. Assim, se você tem cinqüenta anos, possui uma bolha de no
tícias pessoais com um raio de cinqüenta anos-luz. Dentro dessa esfera (de um pouco mais de mil estrelas) é em princípio possível (embora não o seja na prática) que a notícia da sua existência tenha se difundido. Fora dessa esfera, é como se você não existisse; num sentido einsteiniano, você não existe. Os mais velhos têm esferas de existência maiores que os jovens, mas a existência de ninguém se estende por mais que uma minúscula fração do universo. O nascimento de Jesus talvez nos pareça um acontecimento antigo e solene nesse período em que atingimos o seu segundo milênio. Mas a nova é tão recente nessa escala que, até nas circunstâncias mais ideais, teria sido proclamada em princípio a uma fração menor do que um sobre 200 milhões de milhões das estrelas no universo. Muitas, se não a maioria, das estrelas no espaço terão planetas girando ao seu redor. Os números são tão imensos que provavelmente alguns desses planetas têm formas de vida, alguns desenvolveram a inteligência e a tecnologia. Entretanto, as distâncias e os tempos que nos separam são tão grandes que milhares de formas de vida podem evoluir e desaparecer independentemente, sem que seja possível que uma saiba da existência da outra.
Para fazer os meus cálculos sobre os números de estrelas natais, assumi que as estrelas têm, em média, um espaço de uns 7,6 anos-luz entre si. Isso vale aproximadamente para a nossa região local da galáxia da Via Láctea. Parece uma densidade espantosamente baixa (cerca de 440 anos-luz cúbicos por estrela), mas é na realidade elevada em comparação com a densidade das estrelas no universo em geral, onde o espaço fica vazio entre as galáxias. Isaac Asimov tem uma ilustração dramática: é como se toda a matéria do universo fosse um único grão de areia, colocado no meio de um quarto vazio de mais de trinta quilômetros de comprimento, trinta quilômetros de largura e trinta quilômetros de altura. No entanto, ao mesmo tempo, é como se esse único grão de areia fosse pulverizado em mil milhões de milhões de milhões de fragmentos, pois esse é aproximadamente o número de estrelas no universo. Esses são alguns dos fatos sóbrios da astronomia, e pode-se perceber a sua beleza.
A astrologia, em comparação, é uma afronta estética. O seu diletantismo pré-copernicano avilta e deprecia a astronomia, algo semelhante a usar Beethoven em jingles comerciais. É também um insulto à ciência da psicologia e à riqueza da personalidade humana. Estou falando da maneira fácil e potencialmente danosa com que os astrólogos dividem os humanos em doze categorias. Os escorpianos são tipos alegres e expansivos, enquanto os leoninos, com suas personalidades metódicas, se dão bem com os librianos (ou seja lá o que for). Minha esposa Lalla Ward lembra uma ocasião em que uma estrela americana perguntou ao diretor do filme em que ambos estavam trabalhando: “Ih, sr. Preminger, de que signo o senhor é?”, e recebeu o contra imortal, num forte sotaque austríaco: “Sou do signo Não Perrturrrbe”.
A personalidade é um fenômeno real, e os psicólogos tiveram algum sucesso desenvolvendo modelos matemáticos para lidar com a sua variação em muitas dimensões. O número a princípio grande de dimensões pode ser matematicamente reduzido com uma perda mensurável, e para alguns fins razoável, do poder profético. Esse menor número de dimensões derivadas às vezes corresponde às dimensões que intuitivamente pensamos reconhecer – a agressividade, a obstinação, a afetividade, e assim por diante. Resumir a personalidade de um indivíduo como um ponto num espaço multidimensional é uma aproximação utilizável cujas limitações podem ser definidas. Está muito longe de qualquer categorização mutuamente exclusiva, e certamente muito longe da ficção falsa das doze latas de lixo da astrologia de jornal. É baseado em dados genuinamente relevantes sobre as próprias pessoas, e não sobre as suas datas de nascimento. A escala multidimensional do psicólogo pode ser útil para decidir se uma pessoa tem aptidão para determinada carreira, ou se um futuro casal tem compatibilidade de gênios. Os doze escaninhos do astrólogo são, se nada pior, uma diversão dispendiosa e irrelevante.
Além disso, eles não estão de acordo com os nossos fortes tabus e leis atuais contra a discriminação. Os leitores de jornal são ensinados a se considerar, e também a seus amigos e colegas, escorpianos, librianos ou um dos outros doze “signos” míticos. Se você pensar um pouco, essa não é uma forma de rótulo discriminatória semelhante aos estereótipos culturais que muitos de nós achamos censuráveis hoje em dia? Posso imaginar um esquete de Monty Python, em que um jornal publica uma coluna diária mais ou menos assim:
Alemães: Está na sua natureza ser trabalhador e metódico, o que deve lhe trazer vantagens hoje no trabalho. Nas suas relações pessoais, especialmente hoje à noite, vai ter de domar a sua tendência natural de obedecer a ordens.
Espanhóis: O seu quente sangue latino pode dominá-lo, por isso cuide para não fazer algo de que possa se arrepender. E dispense o alho no almoço, se tiver aspirações românticas para a noite.
Chineses: A inescrutabilidade tem muitas vantagens, mas pode ser a sua desgraça hoje…
Britânicos: A sua obstinação pode lhe trazer vantagens nos negócios, mas tente relaxar e descontrair-se na vida social.
E assim por diante com doze estereótipos nacionais. Sem dúvida, as colunas de astrologia são menos ofensivas que isso, mas devemos nos perguntar exatamente onde está a diferença. As duas atitudes são culpadas de discriminação fácil, dividindo a humanidade em grupos exclusivos sem ter como base nenhuma evidência. Mesmo se houvesse evidência de alguns tênues efeitos estatísticos, os dois tipos de discriminação encorajam o tratamento preconceituoso das pessoas como tipos, e não como indivíduos. Já se podem ver anúncios nas colunas dos corações solitários que incluem expressões como “Nada de escorpianos” ou “Os taurinos não precisam responder”. É claro que isso não é tão ruim como as infames notas “Nada de negros” ou “Nada de irlandeses’ porque o preconceito astrológico não atormenta constantemente mais alguns signos do que outros, mas permanece o princípio dos estereótipos discriminatórios – em oposição a aceitar as pessoas como indivíduos.
Até poderia haver tristes conseqüências humanas. A idéia de colocar anúncios nas colunas dos corações solitários é aumentar a área de captação de parceiros sexuais (e, na verdade, o círculo fornecido pelo local de trabalho e por amigos dos amigos é freqüentemente magro e precisa ser enriquecido). Os solitários, cuja vida poderia ser transformada por uma amizade compatível há muito desejada, são encorajados a desistir, de forma extravagante e injustificada, de até onze doze avos da população disponível. Há pessoas vulneráveis neste mundo, e elas merecem compaixão em vez de serem deliberadamente enganadas.
Numa ocasião apócrifa de alguns anos atrás, um jornalista assalariado, que perdera num jogo de azar e recebera ordens para compor o conselho astrológico do dia, matou o seu tédio escrevendo num dos signos as seguintes linhas agourentas: “Todas as desgraças do ano passado não são nada perto do que vai lhe acontecer hoje”. Foi despedido depois que o quadro de ligações ficou congestionado com leitores tomados de pânico, um testemunho patético da confiança sincera que as pessoas podem depositar na astrologia.
Além da legislação contra a discriminação, temos leis destinadas a nos proteger de fabricantes que fazem afirmações falsas a respeito de seus produtos. A lei não é invocada em defesa da verdade simples sobre o mundo natural. Se fosse, os astrólogos dariam o melhor caso-teste que se poderia desejar. Eles afirmam poder prever o futuro e ad
ivinhar as fraquezas pessoais, e recebem pagamento por isso, bem como por conselhos profissionais sobre decisões importantes. Um fabricante de produtos farmacêuticos que vendesse uma pílula anticoncepcional sem o mais leve efeito demonstrável sobre a fertilidade seria processado segundo a Lei das Descrições do Comércio e acionado pelas consumidoras que se descobrissem grávidas. Mais uma vez parece uma reação exagerada, mas não consigo realmente compreender por que os astrólogos profissionais não são presos por fraude e por incitamento à discriminação.
O Daily Telegraph londrino de 18 de novembro de 1997 noticiou que, por ter persuadido uma adolescente crédula a fazer sexo sob o pretexto de expulsar os maus espíritos de seu corpo, um pretenso exorcista fora condenado a dezoito meses de prisão no dia anterior. O homem mostrara à jovem alguns livros sobre quiromancia e magia, depois disse que ela estava “azarada: alguém lhe tinha posto mau-olhado”. Para exorcizá-la, explicou, ele precisava untar todo o seu corpo com óleos especiais. Ela concordou em tirar toda a roupa para esse fim. Finalmente, ela copulou com o homem, quando ele lhe disse que isso era necessário “para se livrar dos espíritos”. Ora, parece-me que a sociedade não pode ter moral dupla. Se foi correto prender esse homem por explorar uma jovem crédula (ela estava acima da idade legal mínima), por que não processamos da mesma forma os astrólogos que tiram dinheiro de pessoas igualmente crédulas; ou os videntes “médiuns” que convencem companhias petrolíferas a dar o dinheiro dos acionistas para “consultas” dispendiosas sobre onde perfurar? Inversamente, se alguém protestasse que os tolos devem ter a liberdade de dar o seu dinheiro para charlatães se assim desejarem, por que o “exorcista” sexual não deveria apresentar uma defésa semelhante, invocando que a jovem tinha a liberdade de dar o seu corpo para um ritual em que, no momento, ela sinceramente acreditava?
Não há nenhum mecanismo físico conhecido pelo qual a posição de distantes corpos celestes no momento do nascimento de uma pessoa poderia exercer alguma influência causal sobre a sua natureza ou destino. Isso não elimina a possibilidade de alguma influência física desconhecida. Mas só precisamos nos dar ao trabalho de pensar nessa influência física se alguém puder exibir alguma evidência de que os movimentos dos planetas contra o pano de fundo das constelações têm realmente a mais tênue influência sobre os assuntos humanos. Até agora nenhuma evidência desse tipo resistiu a uma investigação apropriada. A imensa maioria dos estudos científicos da astrologia não produziu nenhum resultado positivo. Uns poucos (muito poucos) estudos sugeriram (fracamente) uma correlação estatística entre o signo e o caráter. Esses poucos resultados positivos receberam uma explicação interessante. Muitas pessoas são tão versadas no conhecimento dos signos que sabem as características que delas são esperadas. Por isso, têm uma pequena tendência a corresponder a essas expectativas – não grande, mas o suficiente para produzir os efeitos estatísticos muito tênues que foram observados.
Um teste mínimo que qualquer método bem conceituado de diagnose ou adivinhação deve satisfazer é o da confiabilidade. Esse não é o teste que verifica se o método realmente funciona; apenas avalia se diferentes profissionais confrontados com a mesma evidência (ou o mesmo profissional confrontado com a mesma evidência duas vezes) concordam entre si. Embora não ache que a astrologia funcione, eu teria esperado índices de alta confiabilidade nesse sentido de coerência. Afinal, os diferentes astrólogos têm presumivelmente acesso aos mesmos livros. Ainda que seus veredictos sejam errados, seria de pensar que seus métodos fossem bastante sistemáticos para produzir os mesmos veredictos errados! Ai de nós, como foi demonstrado num estudo realizado por G. Dean e colegas, eles nem sequer atingem esse marco mínimo e fácil. Para efeitos de comparação, quando diferentes avaliadores julgavam o desempenho de pessoas em entrevistas estruturadas, o coeficiente de correlação foi maior que 0,8 (um coeficiente de correlação de 1,0 representaria a concordância perfeita; -1,0 representaria a discordância perfeita; 0,0 representaria uma completa aleatoriedade ou falta de associação; 0,8 é bastante bom). Ao lado desses dados, no mesmo estudo, o coeficiente de confiabilidade para a astrologia era um lamentável 0,1, comparável ao número para a quiromancia (0,11), e indicando aleatoriedade quase total. Por mais errados que estejam os astrólogos, seria de pensar que encenariam o seu ato juntos a ponto de serem pelo menos coerentes. Aparentemente não. A grafologia (a análise da letra de uma pessoa) e as análises de Rorschach (borrões de tinta) não tiveram resultados muito melhores.
A tarefa do astrólogo requer tão pouco treinamento ou talento que é freqüentemente entregue a qualquer repórter novato com tempo livre. O jornalista Jan Moir relata no Guardian de 6 de outubro de 1994 que “Meu primeiro emprego em jornalismo foi escrever horóscopos para um grupo de revistas femininas. Era a tarefa do escritório que sempre cabia ao novato, porque era tão estúpida e tão fácil que até um maluco inexperiente como eu poderia realizá-la”. Da mesma forma, quando era jovem, o ilusionista e racionalista James Randi se empregou, com o pseudônimo de Zo-ran, como astrólogo num jornal de Montreal. O método de trabalho de Randi era pegar velhas revistas de astrologia, cortar as suas previsões com tesoura, embaralhá-las num chapéu, colá-las aleatoriamente nos doze “signos’, depois publicá-las como suas próprias “previsões”. Ele descreve como escutou a conversa de duas auxiliares de escritório na sua hora de almoço num café, examinando ansiosamente a coluna de “Zo-ran” no jornal.
Gritavam com prazer ao ver seu futuro tão bem delineado, e em resposta à minha pergunta disseram que Zo-ran tinha “acertado em cheio” na semana passada. Eu não me identifiquei como Zo-ran […]. A reação nas cartas à coluna também havia sido interessante, o suficiente para que eu decidisse que muitas pessoas aceitam e racionalizam quase toda declaração feita por alguém que acreditam ser uma autoridade com poderes místicos. Nesse ponto, Zo-ran dependurou a tesoura, pôs de lado o pote de cola e saiu do emprego. (Flim-flam, 1992)
Há evidências, colhidas numa pesquisa feita por meio de questionário, de que muitas pessoas que lêem os horóscopos diários não acreditam realmente no que eles dizem. Afirmam que lêem a coluna apenas como “diversão” (o seu gosto pelo que constitui ficção divertida é evidentemente diferente do meu). Mas números significativos de pessoas realmente acreditam e agem de acordo com as previsões, inclusive, segundo notícias alarmantes e aparentemente autênticas, como Ronald Reagan durante o seu período como presidente. Por que alguém se deixa impressionar por horóscopos?
Primeiro, as previsões ou leituras de caráter são tão mornas, vagas e gerais que servem para quase todo mundo e toda circunstância. As pessoas normalmente lêem apenas o seu horóscopo no jornal. Se fizessem um esforço para ler os outros onze, ficariam muito menos impressionadas com a exatidão do seu. Segundo, as pessoas lembram os acertos e esquecem as mancadas. Se há uma frase num horóscopo de um parágrafo que parece estar correta, o leitor nota essa determinada frase, enquanto seu olhar passa sobre todas as demais sem tomar conhecimento. Mesmo que as pessoas notem uma previsão gritantemente errada, é bem provável que ela seja considerada uma exceção ou anomalia interessante, em vez de uma indicação de que toda a história pode ser um embuste. Assim David Bellamy, um popular cientista na televisão (e genuíno herói conservacionista), confessou em Radio Times (esse outrora respeitado �
�rgão da BBC) que ele tem a “cautela do capricorniano” a respeito de certas coisas, mas que na maioria das vezes abaixa a cabeça e investe como um verdadeiro bode. Não é interessante? Bem, declaro que apenas confirma o que sempre digo: é a exceção que prova a regra! O próprio Bellamy presumivelmente não acreditava no que dizia, e estava apenas seguindo a tendência, comum entre pessoas educadas, de empregar a astrologia como uma diversão inofensiva. Duvido que seja inofensiva, e me pergunto se as pessoas que a descrevem como divertida se divertem realmente com isso.
– – –
bom texto, vale a pena o tempo gasto.