Nosso lugar no mundo
Alex Lennine, publicação gentilmente autorizada
A pesquisa científica moderna tem-nos ajudado a esclarecer enigmas milenares. Um deles é quanto à origem da moralidade. Somos animais racionais, que procuram explicações e justificações – de um modo por vezes até exagerado. Assim, através do raciocínio, podemos discernir, entender além do senso comum e tomar decisões que contrariam nossos instintos e sentimentos mais básicos.
Mas antes disso, há a questão de por quê temos problemas morais de todo modo. É certo que podemos avaliar situações morais, mas por que sofremos dilemas morais?
A melhor explicação a que chegamos também passou a ser usada como categoria de descrição da nossa espécie: somos ‘animais morais’ [Robert Wright]. Faz parte da nossa constituição biológica.
Dois vídeos ajudam a entender a situação – e as cenas são assombrosas.
O primeiro se passa num zoológico, na reserva dos gorilas. Gorilas são primatas territoriais, dados à violência, que protegem ferozmente suas áreas. Um menino (humano) caiu no espaço deles. O corriqueiro seria ele ser logo atacado ou, no mínimo, hostilizado.
Mas algo surpreendente acontece. O macho-alfa (também chamados de "silverbacks", devido à cor prateada da pelagem das costas) foi logo verificar se o guri podia ser uma ameaça. Investiga, e por alguns instantes parece refletir sobre a situação. E então passa a dispersar os demais gorilas, de forma a isolar o menino e… a observar seu resgate.
O gorila percebeu que o menino não devia estar ali, que era vulnerável, não representava ameaça e… o protegeu:
"Mas gorilas são próximos demais de nós e estes viviam em cativeiro", alguém pode dizer. Então, deve-se ficar ainda mais impressionado com este segundo vídeo.
Savana africana. Os leopardos são inimigos mortais dos babuínos.
Um leopardo espreita um babuíno que, no seu "entender", lhe oferece alguma ameaça. E subitamente ataca. Mata-o. Ao carregar o corpo, algo lhe chama a atenção. Algo se mexe, faz barulho, e ele volta para investigar — os mamíferos são animais curiosos.
E então descobre um filhote de babuíno recém-nascido.
O leopardo visivelmente aparenta estar confundido. É um impasse. Ele pode matar o filhote ou simplesmente abandoná-lo. As hienas vêm rápidas, e os leopardos não gostam de ter de dividir sua caça com elas – as hienas ficariam com o babuíno morto e com o filhote.
A surpresa: o leopardo carrega o bebê babuíno para o alto da árvore. Protege-o. E ainda volta para confrontar as hienas – o que raramente fazem. O leopardo adota o babuíno:
– – –
A natureza, a "natureza de dentes e garras", é fonte suficiente de assombro, beleza, conhecimento e inspiração. Aquelas pessoas que procuram justificar o sobrenatural dizendo que precisamos dele para achar um sentido, um motivo, uma ordem, uma explicação ou uma justificação, para sermos bons e agirmos corretamente, parecem simplesmente não ter aberto os olhos e virado a cabeça para os lados: não existe fonte maior para todas essas coisas que o próprio mundo, o próprio universo, a própria humanidade.
A beleza de um jardim já não é o bastante sem que precisemos acreditar que existem fadas escondidas nele?
Num mundo onde temos a ciência, as artes e a filosofia, quem precisa de religião?
– – –
Existe ainda um outro problema que estes vídeos ajudam a denunciar. A idéia de que os animais não-humanos estão na mesma categorias que os objetos e podem ser usados por nós como bem queiramos – que podemos confiná-los, matá-los e comê-los apenas porque não imploram clemência em nosso idioma e argumentam em seu favor.
Já fomos chauvinistas com relação ao nosso grupo étnico: os gauleses, os macedônios, os israelitas, os yorubá… Depois, fomos chauvinistas com relação à cor da pele: os brancos, os negros, os amarelos… Então, fomos chauvinistas com relação à nossa aldeia (chamada de "país"): os formidáveis ingleses, os incomparáveis franceses, os invencíveis alemães; os japoneses filhos de deus, os soviéticos redentores, os americanos desgraçados, os brasileiros coitadinhos… Fomos chauvinistas com o sexo: os machos, as fêmeas… Ainda há chauvinismos com relação aos de orientações sexuais menos comuns, aos de orientações religiosas menos comuns (ou de nenhuma)…
Mas a última fronteira do chauvinismo, a falsa crença de que somos "superiores", é o especismo: a idéia de que nossa espécie goza direitos de posse e uso sobre as outras. Como o racismo elege alguma raça (coincidentemente, sempre a raça do próprio racista), o especismo elege uma espécie (coincidentemente, a própria espécie do especista).
Os animais não-humanos, assim como os animais humanos, sofrem, têm medo, desejos, sentem dor e desejam continuar a viver exatamente como nós desejamos viver, e viver bem, viver plenamente, e fugir à dor e ao sofrimento. É direito deles, como é direito nosso.
A diferença é que o dever de garanti-lo é nosso, uma vez que somos os únicos que podemos interceder a favor de – ou contra – eles em escala global e de modo irreversível.
Embora outros animais tenham sentimentos morais, nós somos os únicos animais plenamente morais (com capacidade de avaliação, decisão e justificação) deste planeta, neste momento – é uma casualidade, poderia não ser assim e pode vir a mudar amanhã. Podia sermos nós os confinados em cubículos 2mx2m, com comida enfiada garganta abaixo 24h/dia a engordar para, aos 20 anos (quando muito), sermos mortos para servir de repasto a alguma civilização avançada que se preocupasse tanto conosco quanto nos preocupamos com aqueles que estão a dois ou três passos evolutivos de distância.
Já passa de hora de repensarmos nosso lugar no mundo.
"Mas gorilas são próximos demais de nós e estes viviam em cativeiro", alguém pode dizer. Então, deve-se ficar ainda mais impressionado com este segundo vídeo.
Savana africana. Os leopardos são inimigos mortais dos babuínos.
Um leopardo espreita um babuíno que, no seu "entender", lhe oferece alguma ameaça. E subitamente ataca. Mata-o. Ao carregar o corpo, algo lhe chama a atenção. Algo se mexe, faz barulho, e ele volta para investigar — os mamíferos são animais curiosos.
E então descobre um filhote de babuíno recém-nascido.
O leopardo visivelmente aparenta estar confundido. É um impasse. Ele pode matar o filhote ou simplesmente abandoná-lo. As hienas vêm rápidas, e os leopardos não gostam de ter de dividir sua caça com elas – as hienas ficariam com o babuíno morto e com o filhote.
A surpresa: o leopardo carrega o bebê babuíno para o alto da árvore. Protege-o. E ainda volta para confrontar as hienas – o que raramente fazem. O leopardo adota o babuíno:
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A natureza, a "natureza de dentes e garras", é fonte suficiente de assombro, beleza, conhecimento e inspiração. Aquelas pessoas que procuram justificar o sobrenatural dizendo que precisamos dele para achar um sentido, um motivo, uma ordem, uma explicação ou uma justificação, para sermos bons e agirmos corretamente, parecem simplesmente não ter aberto os olhos e virado a cabeça para os lados: não existe fonte maior para todas essas coisas que o próprio mundo, o próprio universo, a própria humanidade.
A beleza de um jardim já não é o bastante sem que precisemos acreditar que existem fadas escondidas nele?
Num mundo onde temos a ciência, as artes e a filosofia, quem precisa de religião?
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Existe ainda um outro problema que estes vídeos ajudam a denunciar. A idéia de que os animais não-humanos estão na mesma categorias que os objetos e podem ser usados por nós como bem queiramos – que podemos confiná-los, matá-los e comê-los apenas porque não imploram clemência em nosso idioma e argumentam em seu favor.
Já fomos chauvinistas com relação ao nosso grupo étnico: os gauleses, os macedônios, os israelitas, os yorubá… Depois, fomos chauvinistas com relação à cor da pele: os brancos, os negros, os amarelos… Então, fomos chauvinistas com relação à nossa aldeia (chamada de "país"): os formidáveis ingleses, os incomparáveis franceses, os invencíveis alemães; os japoneses filhos de deus, os soviéticos redentores, os americanos desgraçados, os brasileiros coitadinhos… Fomos chauvinistas com o sexo: os machos, as fêmeas… Ainda há chauvinismos com relação aos de orientações sexuais menos comuns, aos de orientações religiosas menos comuns (ou de nenhuma)…
Mas a última fronteira do chauvinismo, a falsa crença de que somos "superiores", é o especismo: a idéia de que nossa espécie goza direitos de posse e uso sobre as outras. Como o racismo elege alguma raça (coincidentemente, sempre a raça do próprio racista), o especismo elege uma espécie (coincidentemente, a própria espécie do especista).
Os animais não-humanos, assim como os animais humanos, sofrem, têm medo, desejos, sentem dor e desejam continuar a viver exatamente como nós desejamos viver, e viver bem, viver plenamente, e fugir à dor e ao sofrimento. É direito deles, como é direito nosso.
A diferença é que o dever de garanti-lo é nosso, uma vez que somos os únicos que podemos interceder a favor de – ou contra – eles em escala global e de modo irreversível.
Embora outros animais tenham sentimentos morais, nós somos os únicos animais plenamente morais (com capacidade de avaliação, decisão e justificação) deste planeta, neste momento – é uma casualidade, poderia não ser assim e pode vir a mudar amanhã. Podia sermos nós os confinados em cubículos 2mx2m, com comida enfiada garganta abaixo 24h/dia a engordar para, aos 20 anos (quando muito), sermos mortos para servir de repasto a alguma civilização avançada que se preocupasse tanto conosco quanto nos preocupamos com aqueles que estão a dois ou três passos evolutivos de distância.
Já passa de hora de repensarmos nosso lugar no mundo.
Não sei se é falha do meu navegador (mozila); mas existe uma repetição de trechos no texto.
Este trecho e vídeo aparece duas vezes:
A surpresa: o leopardo carrega o bebê babuíno para o alto da árvore. Protege-o. E ainda volta para confrontar as hienas ““ o que raramente fazem. O leopardo adota o babuíno: