O Legado dos Flintstones

© Luis Alfonso Gámez, publicado em Magonia
Tradução gentilmente autorizada

Javier Cabrera Darquea foi o herdeiro dos Flintstones, o guardião da "mais revolucionária e antiqüíssima mensagem de que temos notícia" [Benítez, 1975]. O texto está registrado em mais de 15.000 pedras de tamanhos diversos que o médico peruano tinha amontoadas em três quartos do centro-museu de Ica, como ele pomposamente chamava a sua casa. As pedras arredondadas de Cabrera são o único vestígio de um passado remoto no qual o homem caçava dinossauros, realizava complexas operações cirúrgicas, sulcava os céus a bordo de aves antediluvianas e perscrutava o firmamento através de telescópios. As pedras de Ica são, para alguns, a "descoberta mais importante desta humanidade". Seu proprietário estava convencido de que demonstram que a Terra abrigou uma civilização avançada no Mesozóico.

Tudo começou em 1966, quando o médico recebeu de um amigo "uma pequena pedra de cor na qual um estranho pássaro aparecia". O ‘peso de papéis’ chamou a atenção de Cabrera, que chegou à conclusão de que o pássaro era um pterossauro, o representante de um grupo de répteis voadores extinto há 65 milhões de anos. Ele perguntou a seu amigo onde tinha adquirido o pedregulho e ele lhe contou que os camponeses de Ocucaje, uma cidade próxima de Ica, os gravavam. Intrigado, pôde dar em seguida com os nativos que vendiam as pedras gravadas e começou a comprar todas as que lhe colocavam diante dos olhos. ‘Descobriu’ que as pedras que Basilio Uchuya lhe proporcionava maciçamente podiam ser ordenadas em séries.

Uma civilização tecnológica no Mesozóico

Nove anos depois, a ‘biblioteca lítica’ estava composta por cerca de 11.000 exemplares, que constituíam "a mais estremecedora, rotunda e completa prova da existência de outra civilização que povoou o planeta" na época dos dinossauros [Benítez, 1975]. Então, apareceu em cena Juan José Benítez, repórter do jornal de Bilbao ‘La Gaceta del Norte.’ O jornalista se sentiu cativado por Cabrera e por algumas pedras que demonstravam um conhecimento "que faziam empalidecer nossa soberba civilização". Assim, ‘aprendeu’ que dos ovos de dinossauro saíam larvas, que logo sofriam uma metamorfose – tal como bichos de seda – e se convertiam em tiranossauros, brontossauros ou triceratops. Assim, se sentiu maravilhado com os conhecimentos médicos dos terrestres antediluvianos, capazes de realizar transplantes de coração, rim, pulmão, fígado… e até cérebro. Assim, soube que o desaparecimento desses ‘lagartos terríveis’ tinha sido causado por esses ‘homens gliptolíticos’ – como Cabrera chamava os produtores de pedras – e o choque contra nosso planeta de dois de seus três satélites, que provocaram por sua vez o afundamento de Atlântida. Assim, se inteirou de que aquela civilização não só conhecia a aviação, mas também que tinham abandonado a Terra em direção às Plêiades antes do cataclismo.  E o intrépido repórter voltou à Espanha disposto a difundir aos quatro ventos o que com o tempo se tornaria um de seus mistérios favoritos.

Os homens gliptolíticos eram, de acordo com as gravuras, pequenos seres cabeçudos de grandes narizes que só vestiam sungas e cobriam seus crânios com adereços de plumas. Apesar de serem capazes de realizar complicadas intervenções cirúrgicas, os cirurgiões mesozóicos não usavam luvas nem cobriam suas faces com máscaras. Eles exploravam o céu com telescópios, voavam a bordo de ‘pássaros mecânicos’ e viajavam para outros planetas; mas, quando eles declararam guerra aos dinossauros, o fizeram armados com primitivas lanças e facas. Sua civilização foi planetária e construiu as pirâmides do Egito para "captar a energia eletromagnética", explicava Cabrera. Os egípcios, o médico assegurava, "careciam dos meios técnicos necessários para mover e erguer uma grande obra como a pirâmide de Queóps" [Benítez, 1975]. Porém, nas pirâmides não aparecem anões com toucas de plumas, nem foram encontradas pedras semelhantes às de Ica em qualquer outro canto do planeta.

Fernando Jiménez del Oso acredita que "até o aparentemente absurdo pode ser realidade, e as pedras de Ica são uma boa prova disto" [Jiménez del Oso, 1989a]. O visionário psiquiatra é capaz de justificar o injustificável, até o uso de machados e punhais na caça de dinossauros. "Tal aparente incongruência – diz – pode ser explicada de vários modos; entre outras, a muito simples de que uma cultura que evolui no técnico não tem que percorrer necessariamente o mesmo caminho que outra, uma vez que as descobertas mais significantes normalmente se devem à casualidade. Da mesma forma, também poderiam estar aludindo a um esporte ou a um rito, tão ‘diacrônico’ como pode ser hoje matar touros com um florete quando se dispõe de metralhadoras" [Jiménez del Oso, 1989b; 23]. O fabricante de mistérios ignora que Cabrera descreve a massiva matança de dinossauros como uma ‘guerra de morte’ entre humanos e répteis, na qual o lógico teria sido que o ‘homem gliptolítico’ tivesse usado armas potentes e não facas, machados e lanças.

A Terra Mesozóica do médico peruano não tem nada a ver com a da geologia. O mundo de Javier Cabrera inclui a Atlântida e Lemúria, e a conseguinte catástrofe planetária. No caso das pedras de Ica, o cataclismo acontece ao colidir contra o planeta duas de suas três luas. Benítez reivindicou a figura de Cabrera como precursor da teoria científica de acordo com a qual a queda de um meteorito causou a extinção dos dinossauros há 65 milhões de anos [Benítez, 1994]. O escritor afirma que o coletor de pedras se antecipou anos em relação a Luis e Walter Álvarez, mas isso é mentira (1). O novelista mistura tudo para confundir seus leitores e dar credibilidade aos disparates de Cabrera, que diz que a queda de duas luas – ‘nunca’ de um meteorito – "contribuiu para a anulação do mecanismo reprodutivo dos répteis". A única coisa em que o médico é precursor é em levar a lenda de Atlântida até o tempo dos dinossauros e em povoar a Terra de anões narigudos, cuja avançada civilização nem deveria ser tanto assim quando deixou sua mensagem toscamente plasmada em pedras.

Curiosamente, as pedras com gravações mais realísticas são aquelas que fazem referência às realizações médicas da civilização mesozóica. "Tal realismo no desenho de órgãos como o coração – diz Javier Sierra, diretor da revista ‘Más Allá’ -, não voltaremos a encontrar em nenhuma das outras pedras, o que fez com que não poucos suspeitem que, uma vez que Cabrera é médico, foi ele mesmo quem mandou esculpir essa série desconcertante imprimindo nela suas próprias idéias" [Sierra, 1994]. Como comprovou o ufólogo turolense em março de 1994, há uns dez anos começaram a aparecer pedras arredondadas em que se adverte sobre a promiscuidade homossexual como fator de risco na hora de contrair doenças, como a AIDS, que debilitam o sistema imunológico.

Gravadas por encomenda

"Entre o huaqueros dos arredores de Lima (2), diz-se que se você informar sua profissão ao médico de Ica, ele se ausentará durante quinze minutos e você poderá escutar o barulho de seu torno de dentista em um quarto nos fundos, antes que regresse das profundidades de seu museu com uma pedra talhada que, por uma estranha e de certo modo artificial coincidência, apresenta um desenho de alguém de um passado distante exercendo sua profissão" [Randi, 1982]. A ironia de James Randi reflete o que os arqueólogos sabem há anos, que os indígenas do povoado de Ocucaje ganham um dinheiro vendendo a Cabrera e aos turistas as pedras gravadas por eles mesmos.

Basilio Uchuya, Pedro Huamán, Aparicio Aparcana e Irma Gutiérrez, entre outros, reconheceram em repetidas ocasiões ser os fabricantes das pedras. Uchuya confessou em 1975 que estava há dez anos gravando pedras para Cabrera e assegurou que copiava os motivos de revistas ilustradas. Naquela ocasião, não levantou suspeitas em Benítez nem mesmo o fato de que o camponês tinha em sua cabana mais de vinte pedregulhos "idênticos a muitos dos que ele tinha visto poucas horas antes no museu de Javier Cabrera". A única coisa que o surpreendeu é que não havia nenhuma pedra de grande volume. O repórter estava convencido de que os habitantes de Ocucaje não podiam ter feito as pedras e, uma vez mais, estava enganado.

Vários espanhóis viajaram até o deserto peruano aos fins dos anos 70 para estudar as pedras de Ica. Um dos que regressaram do Peru com pedras entre sua bagagem foi Félix Ares, atual presidente da ARP-Sociedade para o Avanço do Pensamento Crítico. Em troca de umas quantas moedas, Uchuya grava há anos em pedregulhos os motivos – dinossauros inclusos – que os turistas lhe pedem, como o próprio Erich von Däniken pôde comprovar.  Porém, o imaginativo hoteleiro suíço preferiu acreditar em Cabrera porque "as revistas publicam fotografias de coisas reais, que existem. Mas os complicados motivos que as pedras autênticas de Cabrera apresentam não correspondem a nenhuma realidade fotografável deste mundo" [Däniken, 1977]. O que Däniken não explica é por que o ciclo biológico dos dinossauros do médico peruano não tem nada a ver com a realidade, qual é a razão da ausência de répteis "não repertoriados pela ciência ou tipicamente sul-americanos" [Pereda, 1995], e por que os mapas do mundo são aberrantes e não se encontrou qualquer outro vestígio da civilização mesozóica. Ares, por sua parte, conheceu no Peru um dos principais fornecedores de pedras de Cabrera, que lhe disse que os motivos ele copiava de revistas e que o médico limenho o sabia.

Os falsificadores do passado calculam entre 25.000 e 50.000 o número de pedras gravadas, embora as únicas que se conhecem são as que fazem parte da coleção de Cabrera. "O certo – disse Javier Sierra – é que ao visitante ocasional mostram-se apenas algumas poucas centenas" de peças e a maioria é, "contrariamente ao que muitos acreditam, de pequeno tamanho, facilmente manejáveis e com um trabalho que se supõe não ser problema algum a qualquer um dos artistas locais" [Sierra, 1994]. De fato, a ‘indústria lítica’ de Ocucaje proporciona aos modestos camponeses um dinheiro extra há quase 40 anos. Javier Cabrera e sua ilusória civilização mesozóica são uma significativa fonte de renda.

Pedras autênticas e pedras falsas

"Eu só conheço uma pedra gravada que pode ser autêntica. O resto, todos esses milhares e milhares, são falsas", apontou em 1974 Roger Ravínez, então porta-voz do Instituto Nacional de Cultura do Peru [Benítez, 1975]. Seguro de que a história das pedras mesozóicas arredondadas eram um conto do vigário e que "Cabrera delirava", o arqueólogo fundou seu veredicto em um estudo do estilo das gravações e em "microfotografias das incisões". Juan José Benítez atribuiu a atitude do perito ao dogmatismo da ‘ciência oficial’, já que Santiago Agurto, ex-reitor da Universidade de Engenharia de Lima, havia encontrado em 1962 duas pedras gravadas em tumbas pré-colombianas de Ocucaje. O autor sensacionalista apresentou estas descobertas como revolucionárias – "um ponto chave a favor da autenticidade das pedras de Ica" – e censurou o "costume funesto" da arqueologia de associar os utensílios encontrados em uma tumba aos restos humanos da mesma. Voltou a passar vexame.

Para o jornalista navarro, as pedras gravadas de Agurto eram a prova definitiva da autenticidade da ‘biblioteca lítica’. Nada mais longe da verdade. Estas duas pedras arredondadas foram encontradas em tumbas, não provêm dos camponeses de Ocucaje, e são muito possivelmente autênticas, mas isso não quer dizer nada. Os motivos refletidos nestas duas pedras correspondem aos típicos de culturas pré-hispânicas. Não há dinossauros nem intervenções cirúrgicas nem viagens espaciais; há uma flor estilizada e um pássaro. Desta forma, em Ica existem pedras gravadas autênticas, com motivos característicos das culturas locais, e outras falsas, infestadas de seres antediluvianos.

Cabrera fundamenta sua espetacular coleção em uma primeira pedra, a que Félix Llosa lhe presenteou em 1966. A pedra poderia ter sido obra de Basilio Uchuya ou um autêntico resto arqueológico. Neste último caso, a transbordante imaginação do médico teria se encarregado de transformar o pássaro em um pterossauro. Convencido de uma descoberta ‘histórica’, Cabrera teria acudido aos camponeses de Ocucaje para dar com pedras novas que confirmaram suas suspeitas. Em troca de dinheiro, Uchuya e companhia as teriam gravado e teriam tornado realidade os sonhos do médico. A evidência a favor da fraude é tal que a possibilidade de engano foi apontada até pelos representantes da ufologia mais crédula [Sierra, 1994]. Assim se explica, além disto, que Cabrera nunca tenha dito onde está o local em que há mais de um milhão de pedras gravadas. A razão é muito simples, tal depósito não existe.

Na segunda metade dos anos 70, as pedras de Ica deram fama a Javier Cabrera dentro do submundo do paranormal, mas elas acabaram com sua credibilidade profissional e arruinaram sua vida familiar. Seus disparates o fizeram objeto do desprezo dos cientistas e das gozações da imprensa, o que lhe acarretou "desprestígio, zombarias e solidão. Ica – explica Fernando Jiménez del Oso – é uma pequena cidade provinciana e não pôde ficar sem castigo que um dos até então mais eminentes cidadãos fora manchete nos jornais nacionais por razões tão pouco merecedoras de elogio. [Em 1978] sua esposa o tinha abandonado, seus pacientes procuraram outro médico menos ‘famoso’ e seus filhos tinham começado sua particular diáspora. Ele me falou disto com os olhos úmidos da impotência, tão indignado por esse tratamento injusto como poderia ter estado em sua época Galileu" [Jiménez del Oso, 1989b]. Não poderia faltar a referência ao físico e astrônomo italiano, "já que – como dizia falecido Isaac Asimov – ele é o padroeiro (pobre homem!) de todos os malucos auto-compassivos". [Asimov, 1979].

Incisões de dois dias atrás

O médico peruano repetiu até a saciedade até sua morte, em dezembro de 2001, que tinha um relatório científico da Universidade de Bonn que ratifica a autenticidade das pedras. Porém, o único que o viu é Juan José Benítez porque Cabrera "nunca o mostra"
[Sierra, 1994]. Como se recorda o jornalista em ‘Existiu outra humanidade’ (1975), os peritos alemães descobriram uma patina de oxidação natural que cobria "a totalidade da pedra" e que as gravações não eram recentes. Naturalmente, não só se ignora se Cabrera enviou a Bonn pedras com dinossauros ou autênticos restos arqueológicos pré-hispânicos, mas que tampouco existe nenhuma prova de que tal análise foi feita em algum momento. Como se fosse pouco, todos os exames científicos realizados às costas de Javier Cabrera deram resultados negativos.

Quando uma equipe da BBC visitou Ica com a intenção de filmar algumas cenas para o documentário ‘The case of the ancient astronauts’, o médico não lhes permitiu gravar no centro-museu nem quis falar sobre as controversas pedras arredondadas. Porém, lhes ofereceu o que descreveu como uma genuína pedra de milhões de anos de antiguidade. Pouco depois, a pedra foi analisada no Instituto de Ciências Geológicas de Londres, cujos técnicos chegaram à conclusão de que "as afiadas e relativamente limpas bordas das incisões são notáveis, uma característica que não pode ser preservada durante muito tempo sob a erosão em condições normais". Os peritos britânicos acrescentaram que a imagem havia sido realizada "com posterioridade" ao processo de oxidação que tinha envolvido a pedra de cor marrom [Story, 1980]. O pedregulho poderia ser mesozóico; mas as gravações eram recentes. A equipe de televisão não se surpreendeu diante do fiasco, já que sabia da atividade artística de Basilio Uchuya. Em Ocucaje, o camponês tinha mostrado aos jornalistas britânicos uma foto do armazém de pedras de Cabrera com uma dedicatória, na qual o médico lhe agradecia a condição de fornecedor de pedras.

Mais recentemente, "dois exames realizados na Espanha em 1993 e 1994 sobre algumas amostras importadas do Peru deram resultados negativos, mostrando que [as pedras] foram elaboradas com lixas, serras e ácidos. Mas por quem e para quê?", perguntam-se ainda alguns [Sierra, 1994]. O próprio Cabrera reconheceu em 1974 que os camponeses de Ocucaje tinham começado "a fabricar algumas dessas gravações. Mas posso lhe assegurar – dizia a Benítez – que não passaram de 20 ou 40. E todas elas estão nas mãos de pessoas conhecidas. Em todas, ademais, adivinha-se imediatamente que a gravura é falsa" [Benítez, 1975]. O método do médico para descobrir as pedras autênticas era tão simples quanto destrutivo: lançava a pedra ao ar e, se se quebrava em mil e um pedaços, é porque era autêntica. Como tinha chegado a essa conclusão, ninguém sabe.

Não importa que os ‘textos’ da ‘biblioteca lítica’ de Ica sejam inconsistentes e disparatados, que não se encontraram restos semelhantes em nenhum outro lugar do planeta, que os camponeses de Ocucaje fabriquem pedras gravadas em troca de dinheiro, que as análises científicas tenham trazido à luz as falsificações… Para os vendedores de mistérios, as pedras de Ica continuam sendo um dos seus enigmas favoritos; para os arqueólogos e paleontólogos, são "falsificações bastante evidentes" cuja interpretação errônea dá lugar a "autênticas barbaridades", como converter o homem em contemporâneo dos dinossauros, quando estamos separados por 60 milhões de anos.


O mistério de Acámbaro

Trinta anos antes de Cabrera, um comerciante alemão caiu nas garras dos espertos campesinos da cidade mexicana de Acámbaro. Waldemar Julsrud reuniu entre 1945 e 1952 mais de 30.000 misteriosas figuras de barro. Embora algumas correspondam a culturas pré-hispânicas, havia outras com fantásticos e grotescos animais: quadrúpedes com pescoço e cabeça de pássaro, bípedes com crânios de lagarto e crista dorsal, cobras com patas e chifres, e uma grande etcétera de seres impossíveis.

Não se sabe ao certo como as primeiras figuras chegaram às mãos do colecionador. Em um dos escassos relatórios escritos sobre o tema, Jiménez del Oso adverte que existem duas versões sobre a descoberta das peças de argila, ocorrida em 1945. De acordo com uma delas, Julsrud encontrou várias figuras que haviam ficado descobertas devido à chuva na colina do Touro; segundo a outra, ele as achou quando escavava nas proximidades de sua casa. Então – e aqui as versões diferentes concordam -, pediu para o pedreiro Odilón Tinajero e para outros vizinhos de Acámbaro que, em troca de um ou dois pesos por exemplar, lhes entregassem todas as peças arqueológicas que encontrassem. E o comerciante acabou com mais de 30.000 estatuetas de barro, "além de outros tipos de objetos, como pontas de flecha, figuras da cultura chupicuaro, máscaras, pedras de jade, cachimbos de barro e alguns outros restos fósseis" [Jiménez del Oso, 1993].

O arqueólogo Antônio Pompa suspeita que os camponeses enganaram a Julsrud, um ignorante em história pré-colombiana. Acredita que as primeiras figuras realmente eram autênticas, mas "as outras lhe fizeram os oleiros". Jiménez del Oso, no entanto, não é capaz de ver a diferença entre os grotescos seres saídos da imaginação dos camponeses e as obras da cultura local; mas que rigor se pode exigir de alguém que acredita que um quadrúpede com cabeça de pássaro e um ser de grandes patas que escorrega em sua pança "parecem tirados de um livro de paleontologia?" [Jiménez del Oso, 1993]. Quando se mete a historiador, o psiquiatra faz eco de todo o tipo de disparates, desde as teorias do proprietário das figuras até as de um suposto perito russo. Para Julsrud, os autores das imagens foram os atlantes; para o historiador russo, "cabe a possibilidade de que naquela parte da América os dinossauros do Mesozóico tenham sobrevivido até o ponto em que o homem tenha chegado a conhecê-los". Só há dois inconvenientes: nem a mítica Atlântida existiu, nem os primeiros homens americanos compartilharam há 13.000 anos seu espaço vital com dinossauros.

Embora seja evidente que em Acámbaro não há nada que possa transtornar os historiadores, Jiménez del Oso e seus seguidores se dedicaram a dar crédito a "figuras dos mais altos graus de aberração paleontológica, monstros de aparência quimérica, construções impossíveis, referências a visitas extraterrestres em nosso planeta e até aparentes relatos cósmicos" [Delgado, 1994]. Afetando ares de uma aparente seriedade, se apresentam como investigadores honestos, que não se explica quem modelou as figuras, por que e quando. O motivo do engano perpetrado pelos indígenas foi o mesmo que em Ica, o dinheiro que também anima os autores sem escrúpulos a dar crédito a todo o tipo de tolices.

O homem passeou com os dinossauros?

Tanto Benítez quanto Jiménez del Oso – os dois vendedores de fantasia mais representativos do mundinho pseudocientífico espanhol – apontam em seus ‘trabalhos’ a existência de vestígios paleontológicos que ‘confirmam’ que uma Raquel Welch pré-histórica, vestida com biquíni de pele, pôde despertar o apetite dos dinossauros há 65 milhões de anos. O psiquiatra dizia em 1989 ter encontrado restos humanos em estratos mesozóicos do deserto de Ocucaje. Embora ele mesmo advertisse que havia "passado muitos anos" desde sua época universitária para ser definitivo, não duvidava em anunciar com estardalhaço que, "homem ou pré-hominídeo, aquela criatura, situada nesse lugar e nesse tempo, é tão desestabilizadora para a paleontologia atual que obriga a escrever de novo a história do passado remoto do planeta" [Jiménez del Oso; 198
9]. Tal alarde de ‘imodéstia’ nos força a perguntar como é que, anos depois, o barbudo especialista continua sem receber o prêmio Nobel ou passar aos livros de paleontologia. Será que não estamos diante de outra mentira economicamente rentável?

Erich von Däniken afirma que a teoria de Darwin "cegou gerações inteiras de paleontólogos e antropólogos" [Däniken, 1977]. O autor suíço coincide com Benítez em que existem marcas de pés humanos junto de rastros de dinossauros em estratos de mais de 70 milhões de anos de antiguidade. Deste modo, o novelista navarro qualificava em 1975 de "transcendental" a descoberta, na cidade soriana de Navalsaz, de uma pegada humana petrificada próxima a outras de ‘lagartos terríveis’, "outro testemunho da convivência entre o homem e os dinossauros" [Benítez, 1975]. A ciência, contudo, prestou pouca atenção a este tipo de asseverações. Os especialistas as consideram simples estupidezes, confessa Eustoquio Molina, paleontólogo da Universidade de Saragoça preocupado pelo auge da pseudociência [Molina, 1995].

O leito do rio Paluxy, no Texas (EUA), é ponto de referência obrigatório quando se fala de uma humanidade como a mostrada nos desenhos animados de Hanna e Barbera. Lá, "há centenas de pegadas de dinossauros de espécies diversas. Entre elas e junto delas, aparecem sempre numerosas pegadas de pés humanos de grande tamanho" [Däniken, 1977]. O autor de ‘Lembranças do futuro’ (1968) assegura que para encontrar a totalidade das impressões só era necessário ser guiado "pelo sentido da marcha do dinossauro, assim como a do homem perseguindo o mesmo". As pegadas humanas correspondem, de acordo com o astroarqueólogo (3), com as impressões de seres gigantescos e põem por terra a teoria da evolução. Däniken acrescenta, além disso, que existem vestígios semelhantes em Kentucky, onde no monte Vernon as impressões reproduzem "à perfeição alguns pés humanos", e em Utah, onde a sola de um sapato esmaga um trilobite em um estrato de 500 milhões de anos atrás.

Sandálias pré-cambrianas

As descobertas de Däniken são, entretanto, muito menos revolucionárias que as da ‘ciência oficial.’ William F. Tanner, geólogo da Universidade de Flórida, anunciou em um congresso de paleontologia em 1984 que se havia encontrado duas ‘marcas de solas de tênis’ em estratos pré-cambrianos, correspondendo a 2.700 milhões de anos, situados na baía de Hudson, no Canadá. O cientista, longe de proclamar ruidosamente o ocaso da teoria da evolução, deu-se ao trabalho de estudar as provas no terreno. Tratam-se de duas impressões paralelas de aparência humana, afastadas 20 centímetros uma da outra. Nos arredores, não existe qualquer outro rastro e as pontas dos sapatos, curiosamente, apontam em sentidos opostos. Ademais, as imagens são planas, estão muito claramente delimitadas e ‘sobressaem’ do solo, tal como outras circulares, ovais e de diferentes formas que Tanner havia encontrado em pedras do Permiano de Nevada e do Novo México. "Algumas são suficientemente grandes e têm a forma precisa para parecer solas de sapatos. Mas basta uma inspeção informal para ver que devem ter outra origem" [Tanner, 1984].

Estas silhuetas são de um material mais resistente que o circundante, o que explica a menor erosão, que se adentra na rocha até uma profundidade equivalente à de seu diâmetro superficial. "Uma explicação razoável – aponta Tanner – é que foram feitas por uma saída de água durante a compactação e sedimentação anteriores". O perito americano advoga por uma origem geológica para esses ‘sapatos de tênis antediluvianos’, assim não é nada estranho que possa ter se incrustado um trilobite em um deles. É claro que sempre cabe a possibilidade de que o homem daquele tempo estava descalço pela vida e é isso que Däniken sustenta no caso do leito do Paluxy, um terreno do cretáceo de 100 milhões de anos.

O astroarqueólogo entra no rio seco de Texas – "estive lá e tive a oportunidade de contemplar essa extraordinária descoberta paleontológica" [Däniken, 1977] – um homem atrás de um dinossauro; mas é mentira. Não há um rastro humano, mas algumas supostas pegadas que não o são nem correspondem a qualquer ordem, coisa que sim fazem as dos dinossauros. Tanner as chama ‘silhuetas com forma de pé’. Têm entre 12 e 44 centímetros de tamanho e em alguns casos são conseqüência da erosão de um terreno composto de materiais de diversa dureza. No leito do Paluxy, há centenas de ‘buracos’ produto da erosão, mas esses ‘buscadores de mistérios’ só ficam com os que parecem um pé humano. Ainda assim, explica o geólogo, entre os selecionados, há ‘impressões humanas’ de todos os tamanhos e formas, mas não há dedos nem peitos do pé desenhados na rocha. As pegadas que não se devem a processos erosivos "foram produzidas por dinossauros carnívoros que deixaram uma grande impressão metatarsal" [Lockley, 1993]. O paleontólogo aficionado Glen Kuban demonstrou em 1989, quando era um estudante de biologia de fé criacionista (4), que alguns dos ‘pés’ do rio Paluxy são em realidade parte da planta de três dedos de um dinossauro. "Algumas pretensas ‘impressões humanas’ de Glen Rose – explica – não são distintas de impressões metatarsais de dinossauros, cujas impressões digitais desapareceram enchidas pela lama, por causa da erosão ou devido a outros fatores. Outras depressões alargadas de Glen Rose incluem figuras produto da erosão e possíveis marcas de caudas, algumas das quais também foram confundidas com impressões humanas" [Kuban, 1989].

A paleontologia e a arqueologia prestaram escassa atenção aos supostos vestígios e pegadas humanas de mais de 65 milhões de anos. Não em vão, os primeiros hominídeos apareceram na África oriental há aproximadamente 3 milhões de anos. Apesar disso, alguns cientistas se preocuparam em mergulhar no tempestuoso mar da charlatanaria para pôr as coisas em seu lugar. Lamentavelmente, também há quem predica a estupidez na própria universidade quando tenta sentar cátedra em assuntos que não são próprios de sua especialidade. Em 1981, o autor teve a oportunidade de conhecer um destes últimos. Quando estudava na Universidade de Deusto, um professor de História da Arte baseou um debate sobre as pedras de Ica apelando à sua amizade com Javier Cabrera. O ‘educador’, um jesuíta de idade avançada, fez poucos ouvidos aos argumentos contrários à existência do ‘homem gliptolítico’ e não se atreveu a censurar o médico peruano diante dos alunos, muitos dos quais se dedicam agora ao ensino e pode ser que acreditem que o homem conviveu com os dinossauros. 

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As imagens e suas legendas foram inseridas pelo editor CA

Notas
(1) Em 1956, M.W. de Laubenfels propôs no ‘Journal of Paleontology’ a possibilidade de um impacto de meteoro como causa da extinção dos dinossauros. Como não há extraterrestres no meio, Benítez ignora o paleontólogo da Universidade de Oregon e faz grandes elogios ao charlatão peruano. 
(2) No Peru e Equador, se chama ‘huaquero’ o indivíduo que escava nos cemitérios pré-colombianos para extrair o conteúdo das tumbas e vende-lo a turistas ou colecionadores.
(3) A astroarqueologia é a pseudociência que propugna a existência de visitas extraterrestres na antiguidade. As provas do encontro entre alienígenas e seres humanos se encontrariam disseminadas por todo o planeta em forma de livros sagrados, objetos enigmáticos e monumentos grandiosos. O mais famoso dos astroarqueólogos é Erich von Däniken. 
(4) Os criacionistas consideram que a história do homem está escrita na ‘Bíblia’ e rejeitam a teoria da evolução. Durante mais de 40 anos, as impressões no leito do rio Paluxy promovidas
por Glen Rose foram um dos argumentos favoritos dos fundamentalistas evangélicos americanos até que Glen Kuban, também criacionista, investigou o fenômeno sem deixar que suas crenças influenciassem seu trabalho científico.

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Tanner, William F. [1984]: "Human and not-so-human footprint images on the rocks". En Walker, Kenneth R. (Ed.): ‘The evolution-creation controversy. Perspectives on religion, philosophy, science and education’. Sociedad Paleontológica ("Publicación Especial", Nº 1). Tennessee. 117-133.

11 comentários sobre “O Legado dos Flintstones

  1. Texto interessantíssimo e muito esclarescedor :D

    Aparetemente, o tal Juan José Benítez é meu parente, mas diferimos em lgums ideias…
    Eu também sempre me interessei pela possível existência de um civilização pré-histórica [/uma Atlântida, digamos], mas todos os vestígios parecem ser mera charlatanice, mesmo :P

    Não obstante, creio que passou aí um caso sem ser comentado; infelizmente, tenho poucas informações a respeito, mas garanto que renderia um outro post:
    Lembro-me claramente de templos no Cambodja cujas colunas eram adornadas com imagens esculpidas de uma figura semelhante ao estegossauro…
    Intrigante, não¿
    Creio que, nesse caso, não pode tratar-se de farsa ;)

    Ou será que pode¿

    Hehe o/

  2. Ceticismo?

    Não vejo no texto nada mais do que “fulano disse” e “cicrano disse”.
    Não dá para acreditar em tudo o que sai da comunidade científica, nem naqueles que se opõem a ela.
    Se é para simplesmente “crer” (sem poder eu mesmo “experimentar” o que dizem), então eu prefiro crer em Deus.

  3. O Edson acabou de falar bobagem. Evidências físicas e testadas empiricamente são muito mais do que “disse que disse”, estas sim ultrapassam a conversa fiada e crenças pessoais.

  4. é tanto isso e aquilo e aquilo outro tantos teste aqui lá e acolá que fica meio difícil em quem acreditar,que existiu outras civilizações no passado isso ainda e possível ,mais entre outras coisas difícil de acreditar é

  5. Cada um faz a afirmacao na crença q lhe soa melhor,aceitavel q tudo isso seja uma fraude, mas e ofato das linhas de nazca,tambem sao falsas? Reparem na data das linhas e no suposto proposito: uma mnsagem para visitantes…?pois elas so podem ser avistadas e decifradas do alto!!! Vizitantes??? De q tipo,?para velas era necessario estar a 300 metros de altura!!! Vizitantes?! Vai dizer q isso tbm e farça? As linhas ezistem,ha um proposito q certamente ja foi utilizado e q na minha opiniao ainda tera utilidade talvez surpreendente,mas nao para nos!!! Todos sabem dos desenhos de eapaçonaves nas pedras,mas nem nos temos conhecimento de tal combustivel poderoso (hipoteticamente fando!) magnetismo seria simples resposta. Nao estou buscando enigmas sim uma opiniao a que me firmar.que nunca brincou com um simples ima? Nazca e como se fosse ou foi um enorme campo magnetico ou pista de pouso(hipoteticamente falando)se voce pegar dois imas eles se atrairao,se inverter se empurarao certo?! UMa aeronave com um conversor de polaridade poderia facilmente utilizar o magnetismo para pousar ou decolar!!! Espero de coraçao ter uma resposta deste comentario pois sao com as melhores intençoes e respeito a todos mas nao aceito q viemos do po e ao po voltaremos…..
    Abraço a todos.

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