De Fugos a UFOs

por Kentaro Mori, em colaboração com
Fernando J.M. Walter do CETESbr

Estranhos objetos voadores invadem os Estados Unidos e tudo é encoberto pelo governo. Não estamos falando de Discos voadores mas de Fugos — balões-bomba japoneses na Segunda Guerra Mundial. Estes balões-bomba feitos em grande parte de papel conseguiram atingir seu inacreditável objetivo principal: lançados do Japão, atravessaram sem escalas o oceano Pacífico e bombardearam os EUA, atingindo não só (e principalmente) as regiões Oeste e Meio-Oeste do país, como também os estados de Michigan e do Texas e ainda países vizinhos (México e Canadá).
Os Fugos realmente atingiram o mito americano de inexpugnabilidade, como também, provavelmente, ajudaram a alimentar os mitos conspiratórios tão presentes na ufologia. No rastro do trágico ataque de 11 de setembro, comentadores e analistas se cansaram de repetir que este seria o único ataque ao continente dos EUA na história recente, comparável apenas a Pearl Harbor. Eles se esqueceram dos ataques de Fugos a boa parte dos estados americanos no período de novembro de 1944 a abril de 1945. Chamar isso de conspiração seria dramático demais, mas os Fugos já foram, sim, parte de uma real operação de encobrimento e desinformação, o que explica o amplo desconhecimento desses fatos até hoje.
Mas vamos começar contando como eram esses balões-bomba. O balão em si era composto de papel de seda engomado colado com pasta de batata. Sem brincadeira. Parte de toda uma cultura japonesa em relação ao papel, boa parte deles foram construídos por alunas de escolas japonesas. Quando cheios de hidrogênio, os balões tinham cerca de 10 metros de diâmetro e uma cor branca azulada. Amarrados com cordas de linho ao balão, estavam o absorvedor de choque, o lastro e o armamento. Entre os sistemas para garantir a chegada e a auto-destruição, estavam as cargas de bombas incendiárias de 12 ou 5 quilos. Nada muito impressionante a princípio, mas é preciso lembrar que os Fugos eram efetivamente bombas intercontinentais. Além disso, as bombas tinham um objetivo diferente da simples destruição imediata: a idéia era a de iniciar inúmeros incêndios florestais que consumiriam parte do esforço de guerra americano, sem esquecer do efeito moral de provocar medo e pânico no continente.
A forma como os Fugos funcionavam e chegavam ao seu objetivo é no entanto seu mais curioso aspecto. Eles conseguiam ir do Japão aos EUA em apenas três dias, graças a um fenômeno meteorológico pouco conhecido na época: as jet streams, correntes de ar a altas velocidades presentes em grandes altitudes. De dia, o Sol aquecia o hidrogênio e fazia o balão subir, até que uma válvula liberasse a pressão excessiva. De noite, com o esfriamento do hidrogênio e a queda de altitude, um sensor barométrico liberava parte do lastro. Depois de três ciclos de subir, navegar nas velozes jet streams e descer, os Fugos estariam sobre os EUA e então ao invés de lastros, estariam liberando sua carga explosiva para depois ativar seus mecanismos de auto-destruição. Um crime perfeito. Quando os primeiros Fugos foram notados nos EUA, pensou-se que teriam sido lançados por submarinos japoneses próximos da costa oeste. Só depois de algum tempo, com o grande número de Fugos e uma análise perspicaz da areia usada como lastro ““ areia constatada como sendo de áreas específicas da costa japonesa, os quais posteriormente foram bombardeados pela USAF ““ percebeu-se que os balões estavam mesmo vindo diretamente do Japão.
Mesmo depois de um grande número de incidentes com Fugos terem sido registrados pelo governo, o povo americano permaneceu incauto do ataque direto a que seu país estava sendo submetido. É aí que entra o encobrimento oficial no período de guerra, quando em 4 de janeiro de 1945 o Escritório de Censura fez seu trabalho e censurou o tópico dos balões-bomba. A intenção benigna era evitar que os japoneses soubessem do sucesso inusitado de seu projeto Fugo, ficando quase tão incautos quanto o povo americano. Em histórias verdadeiras mas que parecem saídas direto de anedotas paranóicas, o FBI e os militares realmente recolhiam partes e destroços de Fugos e pediam que as eventuais testemunhas das certamente bizarras aparições de Fugos “˜esquecessem o que haviam visto”™. E a grande mídia cooperava com o encobrimento, evitando publicar qualquer nota sobre os casos. Hipoteticamente: caso não existisse uma guerra em pleno andamento, os mitos de visitas extraterrestres e incontáveis Roswells poderiam ter começado já em 1945. É uma hipótese bastante viável, assim, que boa parte do clima que levou à mania americana por discos voadores a partir de 1947 tenha sido incentivado pela mal-contada e acobertada história dos Fugos.
Toda a engenhosidade envolvida no projeto Fugo porém não teve resultados equivalentes. O encobrimento americano aparentemente funcionou: sem ter certeza de que os Fugos tinham alcançado seu objetivo e com recursos cada vez mais escassos (somando-se a isso os bombardeios, ainda que meio às cegas, feitos pela USAF às "fábricas" de Fugos), os japoneses cancelaram o projeto em abril de 1945. Como se não bastasse seu insucesso em provocar pânico, como os Fugos atingiram os EUA durante o inverno a intenção de causar incêndios florestais não logrou pleno êxito. Isso não foi burrice, mas algo explicado devido ao período de inverno ser justamente a época do ano na qual as jet streams eram mais apropriadas a levar os balões.
Apesar dos mais de 300 incidentes com Fugos registrados ao longo do continente americano, não apenas nos EUA mas (como já dissemos) no México e Canadá, estima-se que mais de 9.000 Fugos tenham sido lançados. A grande maioria deles deve ter caído no Pacífico antes de alcançar seu objetivo. Dos mais de 300 incidentes, apenas um, conforme registros ocasionou mortes, e mortes particularmente trágicas: em um piquenique de igreja na cidade de Bly, no Oregon, cinco crianças e uma mulher grávida morreram ao ser provocada a explosão de uma bomba Fugo não detonada. Esse incidente com mortes, em 5 de maio de 1945, finalmente quebrou parte da censura (um mês depois do cancelamento dos Fugos) e daí em diante a desinformação passaria a operar, minimizando e mesmo ridicularizando a eficiência do projeto. Depois da guerra, o New York Times diria: o “Primeiro Prêmio por armas de guerra inúteis vai ao Japão, por seus balões-bomba de “˜origem única”™ pretendendo espalhar fogo e terror”. Longe de serem inúteis, os Fugos permaneceram como o único ataque ao continente americano e ainda mais com baixas durante toda a guerra ““ e pode-se dizer, até 11 de setembro de 2001. Documentos mais relevantes sobre os balões-bomba só seriam liberados em 1980, sendo que muito da informação colhida pelo projeto Fugo seria usada pelos EUA em projetos de balões experimentais em plena Guerra Fria. Inútil, não? Ironia das ironias, um destes projetos chamado Mogul teria sido um dos responsáveis pelas histórias de queda de disco voador em Roswell em 1947.
Os Fugos ainda trazem algumas ironias desconcertantes. Um deles enroscou-se em linhas de transmissão de eletricidade que serviam à uma usina de enriquecimento de urânio em Hanford, Washington. Urânio esse que seria jogado em Nagasaqui meses depois, sob a forma arrasadora de uma bomba
atômica. Como se não bastasse, a forma como os fios do balão enroscados nas linhas de transmissão causaram um curto-circuito viria a ser repetida nos anos 90 por avançadíssimas bombas americanas no Iraque e em Kosovo, compostas de tiras  de carbono destinadas a se enroscar em fios de alta tensão. Outra: Planos de ataques bacteriológicos lançados por balões teriam sido encontrados há pouco no Paquistão. Este era justamente o maior temor de uso dos balões-bomba durante a Segunda Guerra, algo que acabou nunca ocorrendo. Devemos notar que, como o inusitado ataque de aviões suicidas de 11 de setembro (que lembram ataques Kamikazes), um ataque terrorista lembrando “˜Fugos”™ é um perigo real mas amplamente desconhecido.
Longe de serem meras curiosidades históricas, como visto os Fugos têm inúmeras implicações no cenário atual. Eles também ensinam que a História real se relaciona com as teorias ufológicas de conspiração, tirando-lhes os detalhes mais mirabolantes, e ao mesmo tempo que a ufologia, sem constrangimento, se relaciona com a História, que tem sim suas conspirações e encobrimentos governamentais. Que são algo bem terrestre, humano e concreto.

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