A Epidemia de Manchas no Pára-brisa de Seattle: Uma Famosa Ilusão em Massa do Século XX
- por Robert Bartholomew, original em Pacific Northwest Skeptics
A maioria dos residentes que vivem nas redondezas de Seattle, Washington estão provavelmente incautos de que todo ano desde os anos 50 têm sido assunto de discussão dos sociólogos e psicólogos que lecionam cursos em comportamento coletivo e psicologia social. Por quê?
Por causa de um episódio que afetou a região em 1954, e é amplamente referido por cientistas sociais como "a epidemia de manchas no pára-brisa de Seattle" ("the Seattle windshield pitting epidemic"). O incidente é um exemplo clássico de uma ilusão em massa ou ilusão social. É infeliz que tais eventos às vezes sejam rotulados como um exemplo de "histeria em massa". A maioria dos cientistas sociais de hoje prefere o termo ilusão social e é hesitante em usar a palavra "histeria" uma vez que a maioria dos participantes dos episódios certamente não está histérico no senso clínico. (Histeria é uma perturbação de sistema nervoso séria que é tipificada por excitabilidade emocional e perturbações sensórias.)
Também, o uso do termo "histeria" pode ser visto como ofensivo a mulheres. Isto porque durante os últimos dois séculos, muitos cientistas rotularam uma variedade de comportamentos femininos impropriamente como "histéricos". Embora esta visão tenha mudado entre a maioria dos cientistas em décadas recentes, permanece um assunto sensível.
Tendo dito isto, o termo "histeria em massa" permanece popular nos meios de comunicação de massa e entre o público pra descrever respostas da comunidade exageradas a várias ameaças imaginárias. Isto incluiria tais incidentes como a vilanização de incontáveis cidadãos inocentes de Wenatchee, Washington como criminosos sexuais como documentado no livro excelente de Kathryn Lyon, Witch Hunt (1998), e não é provável que seja substituído no futuro previsível através de termos menos dramáticos como ilusão em massa ou ilusão social. Para exemplos de "verdadeira" histeria em massa que envolve a expansão rápida de sintomas histéricos em condições de grupo, veja Wessely (1987), Bartholomew e Sirois (1996), e Boss (1997).
O episódio de manchas fantasma em pára-brisas começou no dia 23 de março de 1954, quando relatos na imprensa começaram a aparecer em jornais em Seattle. As histórias informaram danos a pára-brisas de automóveis em uma cidade 80 milhas para o norte. A polícia inicialmente supeitou de vândalos, mas à medida que o número de casos aumentava, ficou logo evidente que esta não era uma explicação viável. Com o passar dos dias, relatos de pára-brisas estragados moveram-se mais para perto de Seattle. Pelo anoitecer do dia 14 de abril quando o agente misterioso tinha chegado à cidade primeiro, até 15 de abril, a polícia tinha anotado 242 telefonemas de residentes preocupados por Seattle, contando sobre pequenas marcas em veículos que superavam mais de 3.000. Em alguns casos, foi informado que lotes de estacionamento inteiros haviam sido atingidos.
O relato mais comum de dano envolvia alegações por testemunhas surpresas de que marcas minúsculas cresceram em bolhas ao tamanho de moedas de dez centavos que estavam embutidas dentro do vidro, levando à especulação por alguns quarteirões de que o culpado eram ovos de mosca que tinham sido depositados de alguma maneira no vidro e depois tinham sido chocados.
Os relatos diminuíram rapidamente e logo cessaram de forma completa. No dia 16 de abril a polícia registrou 46 reclamações de manchas, e 10 no dia 17, mas depois daquela data não foi recebido um único relato adicional. O evento terminou. A presença súbita das "manchas" criou ansiedade difundida já que elas eram tipicamente atribuídas à precipitação atômica de testes de bombas de hidrogênio que tinham sido conduzidos recentemente no Pacífico e tinham recebido publicidade exaustiva da mídia. Na plenitude do incidente na noite de 15 de abril, o prefeito de Seattle buscou ajuda até mesmo do presidente dos Estados Unidos Dwight Eisenhower.
Porém, uma investigação por Nahum Z. Medalia da Instituto de Tecnologia da Geórgia e Otto N. Larsen da Universidade de Washington (1958) determinou que as manchas sempre tinham existido e tinham sido o resultado de eventos mundanos como o desgaste comum pelo uso na estrada, mas tinham passado despercebidas. No surgimento de rumores como a presença de precipitação nuclear nociva, e espalhados por alguns casos iniciais amplificados pela mídia, os residentes começaram a olhar para os pára-brisas ao invés de através deles.
Durante o episódio, o Governador contatou o Laboratório de Pesquisa Ambiental na Universidade de Washington para analisar os relatos. Eles informaram que os misteriores grãos pretos e fuliginosos achados em muitos pára-brisas eram cenosferas – partículas minúsculas produzidas pela combustão incompleta de carvão betuminoso. Tais partículas, foi notado, tinham sido por muitos anos comuns em Seattle, e não poderiam marcar ou penetrar os pára-brisas (Bovee, 1954).
A literatura sobre ilusões em massa ou coletivas indicam o papel crucial de vários fatores chave. Estes incluem a presença de ambigüidade, ansiedade, a expansão de rumores e crenças falsas mas plausíveis, e uma redefinição da ameaça potencial de geral e distante para específica e iminente. Fatores exacerbadores incluem a falibilidade perceptual humana, meios de comunicação de massa influenciam espalhando os medos, recentes eventos geo-políticos, e reforço da falsa convicção através de figuras de autoridade e aqueles em instituições de controle social (por exemplo, a polícia, exército, conferencista universitário ou o líder dos Céticos de Washington).
Em suas conclusões, Medalia e Larsen notam pelo menos duas outras possíveis funções da ilusão de manchas. Primeiramente, como os relatos de marcas coincidiram com os testes de bombas-H, a publicidade da mídia parece ter reduzido a tensão sobre as conseqüências medonhas inevitáveis dos testes de bomba – "algo devia acontecer a nós como resultado dos testes de bombas-H – os pára-brisas foram manchados – aconteceu – agora tudo terminou" (p.186).
Em segundo lugar, o próprio ato de telefonar à polícia e apelos pelo Prefeito ao Governador e até ao Presidente dos Estados Unidos "serviu para dar às pessoas o senso de que elas estavam ‘fazendo algo’ sobre o perigo que ameaçava" (pág. 186).
A epidemia de manchas no pára-brisa de Seattle é apenas uma de uma lista longa de ilusões de massa que aconteceram nos Estados Unidos durante o século vinte. Outros exemplos incluem o ‘Diabo de Jersey’ (1909), pânico de invasão marciana (1938), o gaseador louco de Mattoon, Illinois (1944), avistamentos de discos voadores (desde 1947), a Virgem Maria em Saba Grande (1953), e rumores e perseguições que cercam a existência de uma rede difundida de culto Satânico e grupos de molestamento de crianças que ficaram proeminentes desde os anos oitenta (veja Bartholomew 1997, 1998 em imprensa).
Enquanto nos aproximamos do século vinte e um, a humanidade parece estar ficando cada vez mais confiante nas várias formas de comunicação em massa para informação precisa e imediata. Apesar de avanços contínuos em ciência e tecnologia desde o Iluminismo, no clima presente, podemos estar ficando de fato mais, não menos vulneráveis, a ilusões em massa.
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Robert Bartholomew é um sociólogo na James Cook University, Queensland, Austrália e co-autor de UFOs and Alien Contact: Two Centuries of Mystery, publicado por Prometheus Books, março de 1998. Ele pode ser contatado em art-reb2@jcu.edu.au.
Referências:
Bartholomew, Robert E. (1998). "Th
e Martian Panic Sixty Years Later: What have we learned?" Skeptical Inquirer 22 (November-December)
Bartholomew, Robert E. (1997). "Collective delusions: a skeptic’s guide." Skeptical Inquirer 21:29-33.
Bartholomew, Robert E., and Francois Sirois (1996). "Epidemic hysteria in schools: an international and historical overview." Educational Studies 22(3):285-311.
Boss, Leslie P. (1997). "Epidemic hysteria: a review of the published literature." Epidemiological Reviews 19:233-43.
Bovee, Harley H. (1954). "Report on the 1954 windshield pitting phenomena in the State of Washington." Mimeographed: Environmental Research Laboratory: University of Washington (June 10).
Lyon, Kathryn. (1998) Witch hunt: a true story of social hysteria and abused justice. New York: Avon Books.
Medalia, Nahun Z, Larsen, Otto N. (1958). "Diffusion and belief in a collective delusion." American Sociological Review 23:180-186.
Wessely, Simon. (1987). "Mass hysteria: two syndromes?" Psychological Medicine, 17:109-120.