Discos Voadores ou Moscas Voadoras?
Luis Ruiz Noguez, publicado em Marcianitos Verdes*
tradução gentilmente autorizada
Dizem que os críticos são como galinhas que cacarejam enquanto as outras põem. Em ocasiões esta descrição é adequada, mas obviamente há outras em que não são. Em meu papel de crítico da ufologia poderiam me atribuir esta descrição, entretanto penso que neste caso não é o adequado. Explico-me.
Tenho mais de 25 anos investigando relatos de OVNIs. Nos primeiros dez fui um fervoroso crente da hipótese extraterrestre e publiquei diversos artigos não só em meu país, mas também no estrangeiro (Argentina, Espanha, Porto Rico”¦).
Depois, graças ao apoio do diretor da revista Contactos Extraterrestres, Héctor Chavarría, pude me dedicar por um tempo a investigar os casos que chegavam a sua redação. Isso me deu a oportunidade de me dar conta de que estava equivocado e de que todos os casos de OVNIs têm uma explicação racional que nada tem a ver com naves interplanetárias[1]. A partir daí me converti em um crítico do fenômeno[2] até chegar a ser um cético do mesmo.
Mas para que não me acusassem de cacarejar enquanto outros punham, escrevi diversos artigos nas principais revista ufológicas a nível mundial e publiquei alguns livros. Não só isso. No seio da SOMIE (Sociedade Mexicana para a Investigação Cética) descobrimos a explicação à maioria dos casos clássicos mexicanos e alguns casos estrangeiros, mesmas que se publicaram em revistas especializadas. Além disso, expus algumas hipótese de trabalho, como a presente, que explicam algumas das características de diversos relatos OVNI.
Isto formou o que Vicente Juan Ballester Olmos chamou Escola Mexicana de Ufologia. Uma “escola ufológica” que curiosamente não está formada por nenhum ufólogo mas sim por críticos e céticos (o já mencionado Chavarría, Héctor Escobar, Óscar García, e o tal Noguez).
Não conheço nenhuma hipótese de trabalho formulada por ufólogo mexicano algum que tenha contribuído algo à ufologia crédula. Existem, sim, trabalhos de grande valor na ufologia cética, mas todos realizados pelos autores já mencionados. O presente trabalho foi comentado e criticado em diversos círculos ufológicos do estrangeiro e pelo menos disseram que “se trata de uma hipótese curiosa”. Com este trabalho não trato de explicar todo o fenômeno OVNI. Tampouco é minha intenção chegar a que o compreendam os ufólogos, a maioria deles sem o background necessário para isso. O que pretendo é alcançar os leitores, principalmente os jovens, para lhes mostrar que nem tudo são “prodigiosas naves extragalácticas”, e que a explicação a vários relatos de OVNIs talvez não esteja muito longe de nossos narizes.
PENUGEM
Às vezes, objetos que existem na superfície do olho e dentro do humor vítreo podem ser observados como se fossem objetos distantes. Estes objetos tomam várias formas. Pequenos pontos de sujeira podem parecer-se com globos de luz, e se um ponto é iluminado por uma luz exterior, pode aparecer como uma luz grande e indefinida. Se este ponto é visto frente a um plano escuro, pode ser bastante espetacular. Ao flutuar sobre a pupila do olho, dá a impressão de estar deslocando-se. Muitos relatos de objetos voadores não identificados, descritos como discos voadores, discos luminosos, pontos brilhantes ou colares de pérolas, não são mais que minúsculos capilares de sangue na superfície da retina do olho, ou pequeníssimos corpúsculos visíveis apenas sob condições especiais de iluminação.
Quase todas pessoas já viram estes pequenos pontos ou linhas ou “penugem” dentro dos olhos. Na maior parte do tempo estes objetos passam desapercebidos e só quando se observa o céu limpo se dá conta de sua presença.
MOSCAS VOADORAS NÃO IDENTIFICADAS: MOVNIS
Estes objetos são muito escorregadios e se o observador tenta fixá-los, "deslizam" escapando, como se voassem, daí que lhes foi dado o nome do "Muscae Volitantes" ou moscas voadoras[3].
Algumas vezes as Muscae Volitantes permanecem fixas para o observador; isto pode ser muito incômodo e só é corrigido quando o cérebro aprende a ignorá-las.
Não se devem confundir as “Moscas Voadoras” com os “Fosfenos”[4]. Estes últimos são sensações visuais luminosas produzidas por uma causa distinta à da luz, por exemplo uma excitação mecânica da retina (como friccionar as pálpebras). Os fosfenos podem ser vistos também quando se recebe um golpe no ouvido, quer dizer, o clássico “ficar vendo estrelinhas”. É por isso que os boxeadores têm mais oportunidades de ver fosfenos em sua vida.
Segundo alguns oftalmologistas, a maioria das Moscas Voadoras são imperfeições celulares do olho. Outros médicos, como o doutor Francis Lefébure, investigaram as chamadas “mesclas fosfênicas”.
Especulou-se sobre a origem das pinturas de Victor Vasarely. Acaso não estaríamos presenciando a representação de fosfenos que, como fogos de artifício, explodem em formas caprichosas nas telas do artista? O próprio Salvador Dali disse:
“Os fosfenos são reminiscências de meu paraíso intra-uterino perdido no dia de meu nascimento”.
Este fenômeno, que fascinou a crianças e adultos, foi a fonte de inspiração para a criação de dispositivos que estimulam eletricamente as pálpebras para produzir esse “show biológico” de luzes. Dessa maneira apareceram no mercado o Phosphotron, o Imagemaker e o Harmony, de grande êxito entre os adeptos Nova Era.
Existe outro tipo de fosfenos, os assim chamados Postfosfenos, os quais são manchas luminosas de várias cores, onde usualmente predomina o vermelho. Estes foram confundidos com OVNIs e com outro fenômeno natural, de que falamos em outro lugar. De como se produzem estes fenômenos é do que nos ocuparemos nas seguintes linhas.
O OLHO
A luz entra no olho e passa sucessivamente através de várias capas: a córnea, o humor aquoso (fluido que preenche a parte anterior do olho), e o humor vítreo, que preenche a cavidade o olho. A luz estimula os Cones e Bastonetes, os quais transformam a energia luminosa em impulsos nervosos que são transmitidos ao cérebro.
No centro da retina existe uma área amarela chamada Mácula Lut
ea (Mancha Amarela) e perto de seu centro se encontra uma pequena depressão chamada Fovea Centralis (Ponto Central). A Fovea Centralis é o centro da acuidade visual já que contém uma grande quantidade de células (os bastonetes e os cones). É neste ponto em que o olho enfoca o objeto a ser visto, e é também aqui aonde enfocamos as Moscas Voadoras.
A DIFRAÇÃO DA LUZ
O efeito óptico de difração é o causador de muitos fenômenos naturais que podem dar lugar a relatos de OVNIs. Além das Moscas Voadoras produzidas pela difração da luz em fiapos ou fragmentos de pó diante de nosso olho, existem outros fenômenos como os Halos e as Glórias[5], que são também produto da difração da luz, desta vez por gotículas de água e cristais de gelo. Os fiapos, a água e os cristais fazem com que as ondas de luz formem um padrão de difração.
AS ONDAS
Até agora estivemos falando de padrões de difração e de ondas, mas o que é uma onda e o que é um padrão de difração?
Na figura 1 vemos uma representação gráfica de uma onda linear harmônica. Nesta figura, C representa as cristas, n os nós e V os vales das ondas transversais; A é a amplitude ou máxima elongação da onda; λ é a longitude de onda e representa a distância entre duas cristas, dois vales ou dois nós.
Outros parâmetros que não estão representados na figura 1 são: T ou período, ou seja o tempo que demora para efetuar uma oscilação completa; f ou freqüência, o número de oscilações completas por segundo, quer dizer, o inverso do período.
Notemos que o gráfico da figura 1 é similar A ao da função trigonométrica do seno, isto é, os nós se encontram a uma distância de n, onde n é um número inteiro.
Quando duas ondas diferentes têm seus nós em um mesmo ponto, diz-se que estão em fase; e se os nós se encontram distanciados uns de outros, diz-se que as ondas estão defasadas.
A sobreposição das ondas, quer estejam em fase ou defasadas, dá lugar ao fenômeno chamado Interferência (construtiva no primeiro caso e destrutiva no segundo).
Na figura 2a se vê um caso de interferência construtiva. Duas ondas em fase e de igual freqüência, a e b, com diferentes amplitudes, dão lugar à formação de uma nova onda (c) com uma amplitude maior que as ondas que a originaram.
Na figura 2b se vê o caso da interferência destrutiva. Nesta figura se apresenta um caso especial em que as duas ondas, a e b, estão defasadas ? graus e além disso têm a mesma amplitude; isto dá como conseqüência que “desapareça” todo movimento ondulatório (c).
PADRÕES DE DIFRAÇÃO
Quando um raio de luz (onda eletromagnética) passa por um buraco de um objeto pequeno ou ao redor de um objeto pequeno, pode produzir um padrão de difração. Aquelas ondas que estão em fase darão uma zona brilhante e aquelas que estão defasadas produzirão uma zona escura.
Na figura 3 vemos um raio de luz que passa ao redor de uma partícula de pó, como as que podemos ter na superfície do olho. A distância que percorrem as ondas a e a”™ dos pontos x até o ponto A localizado na retina, é a mesma, por isso as ondas chegam em fase e produzem um “máximo de difração de primeira ordem”.
As ondas b e b”™, em seu caminho dos pontos x a B estão defasadas ? graus, por isso produzem interferência destrutiva, ou seja, uma região escura.
As ondas c e c”™ estão “defasadas” 2? graus, quer dizer, voltam a estar em fase, por isso chegam ao ponto C e produzem um “máximo de difração de segunda ordem”.
Nos pontos D se deve observar outro mínimo ou franja escura e assim sucessivamente.
Na parte superior da figura 3 se desenhou o patrão ondulatório de difração resultante.
Na figura 4 vemos perpendicularmente o padrão de difração produzido por um pequeno grão de pó que dá como resultado a formação de uma Mosca Voadora. Isto é o que nossos olhos veriam ao ser adequadamente estimulados.
Na figura 5 temos o patrão de difração produzido por um “fio de penugem”. Neste caso podemos ver um pouco parecido a uma “nave mãe” ou melhor dizendo, “Mosca Mãe”.
É preciso notar a grande semelhança destes desenhos com uma das fotografias de “amebas” voadoras do senhor Trevor James Constable ou com os desenhos publicados em um livro de Joseph Allen Hynek, dos objetos vistos em 1936 por Richard Keller. Entretanto, com isto não quero dizer que uma Mosca Voadora possa ser fotografada, a menos que o objeto produtor do patrão de difração se encontre sobre a lente ou muito perto da câmera[6].
As MOVNIs se vêem como anéis concêntricos de zonas brilhantes e escuras, sem nenhuma cor. Isto ocorre porque não há uma dispersão (decomposição) da luz.
Esta hipótese de trabalho dos MOVNIs não trata de explicar todos os relatos de ovnis, nem muito menos. É só uma sugestão para explicar alguns casos especiais de observações de objetos brilhantes no céu, e tem o mesmo nível de credibilidade que a hipótese daquele físico americano que afirmou que quando um méson cósmico atravessa o humor vítreo do olho, provoca a formação de 600 e tantos fótons de luz, o que produz a percepção de uma espécie de disco luminoso. Porém, a reprodutibilidade dos fenômenos preditos pela hipótese MOVNI é maior que os preditos pela hipótese dos mésons cósmicos. Todo mundo pode ter em um momento dado “sujeiras” no olho, mas muito poucos terão o privilégio de que seus olhos sejam atravessados por mésons que possam interagir com o humor vítreo e assim possam ver discos luminosos.
Da próxima vez que você vir um objeto brilhante e o céu, detenha-se e pense se não se trata de um méson que atravessou seu olho ou de uma simples Mosca Voadora Não Identificada.
– – –
[1] O conhecido escritor de ficção científica inglês Arthur C. Clarke escreveu: “Os discos nos ensinaram pouco sobre a inteligência extraterrestre, mas muito sobre a estupidez humana”.
[2] Dizia Bertrand Russell: “Só os imbecis não mudam de idéia”.
[3] Também conhecidos como fenômenos entópticos ou floaters.
[4] Do grego “Phós”, “Photós”, luz; e “Phaínein”, aparecer.
[5] Estes fenÃ
´menos têm uma forte ascendência ufológica. O escritor, ufólogo, paranóico e ignorante Bruno Cardeñosa, afirmou que um fenômeno de difração conhecido como Espectro de Brocken ou Glória, era nada mais nada menos que uma nave extraterrestre em cujo interior se podia ver seu tripulante. Quando nós lhe assinalamos sua ignorância em fenômenos atmosféricos, ameaçou-nos processar se não retirássemos nosso artigo na revista eletrônica Perspectivas. Conforme parece, também é perito em direito civil, penal e internacional (perguntem-lhes a Pedro Amorós, quem foi beneficiário da assessoria de Cardeñosa).
[6] Este parágrafo confirma o poder de predição dos céticos, pois poucos anos depois, com a introdução das câmaras digitais, começariam a fotografar os famosos orbs.
Referências
Allen Hynek Joseph, El informe Hynek. La verdad sobre los platillos volantes, Javier Vergara Editor, Buenos Aires, 1979.
Latapí Ortega Pablo, El poder de los fosfeno, Supermente, No. 21, México, 22 de mayo de 1979, Págs. 16-19.
Ruiz Noguez Luis, Una luz de esperanza, Vogue, No. 76, México, septiembre de 1986, Pág. 159.
Ruiz Noguez Luis, ¿Platos voladores o moscas voladoras?, Cuadernos de Ufología, Segunda Época, No. 6, Santander, España, septiembre de 1989, Págs. 87-90.
Ruiz Noguez Luis, ¿Son los platos voladores simples moscas voladoras?, Contacto Ovni, No. 22, El rincón del escéptico, México, octubre de 1996, Págs. 30-32.
ADDENDUM
Em 2001 os membros do CIFEEEAC (Centro de Investigações de Fenômenos Extraterrestres, Espaciais e Extraordinários A.C.), me convidaram a uma de suas reuniões para discutir o famoso vídeo do World Trade Center (o mesmo de Barbara Sicuranza promovido pelo canal SciFi). Estavam na casa de Carlos Alberto Guzmán Rojas, diretor do CIFEEEAC, o capitão Alejandro Franz, de Alcione, Yohanan Diaz Vargas, de Realidad Punto Cero, César Buenrostro, Evidencias X, e o contatado Enrique Mercado Orue, autor de 28 horas a bordo de um ovni. César fazia uma análise do vídeo e tinha descoberto que grande parte do mesmo estava feito no Photoshop. Por outra parte tinha feito uma recreação que ia apresentar em um programa matutino ao que tinha sido convidado em companhia de Jaime Maussán. A intenção era desmontar o caso de Maussán. Queriam que eu criticasse o trabalho de César para poder encontrar os pontos fracos que pudesse atacar o ufólogo da televisão. Meu comentário foi que dificilmente iriam deixar que César falasse e mostrasse seu vídeo.
Durante a velada o capitão Franz esteve tratando de me convencer da realidade dos OVNIs. Dizia-me que eu era um bom investigador e que a ufologia necessitava de gente como eu, mas não tão cética. Devia reconsiderar minha atitude ante os OVNIs. As naves extraterrestres existiam, não importando que eu não tivesse visto uma. Ao final me disse “Bom, você não viu OVNIs, mas acredita em deus?” Quando lhe respondi que não, a cara do capitão se transformou em um enorme sinal de admiração. Dessa maneira terminou a conversa.
O capitão Alex Franz e eu continuamos tendo uma boa relação. Há respeito mútuo, mas assim como ocorre com os outros ufólogos aqui mencionados, não compartilhamos as mesmas idéias.
O outro que esteve mais agressivo foi o contatado Enrique Mercado. Ele esteve criticando meu artigo sobre as Moscas Voadoras. Eu tratei de ser cortês, principalmente porque estava na casa de Carlos Guzmán como convidado. Mas tanta foi a insistência de Mercado que em um momento lhe disse que talvez não tivesse “Moscas Voadoras” nos olhos, mas que certamente as tinha no cérebro para escrever uma besteira como 28 horas a bordo de um ovni e pensar que todo mundo iria engoli-la. Pedi-lhe provas de sua aventura, não contos nem invenções. Também lhe solicitei que me explicasse o que tinha entendido sobre a difração. Logo depois de alguns segundos de não obter uma resposta lhe disse que isso confirmava o que tinha escrito: os ufólogos não têm a capacidade de entender este tipo de questões, muito menos os contatados.
(*) Publicado em Cuadernos de Ufología, No. 6, 2ª Época, Santander, setembro de 1989, Págs. 87-90.Contacto Ovni, No. 22, El rincón del escéptico, México, outubro de 1996, Págs. 30-32.